Trata-se de uma espécie de "Menu Cultural" do que o escritor vem produzindo no campo da poesia,conto, crônica,roteiro de cinema e TV,peça de teatro, e recentemente: novelas on-line. Além de compartilhamento de pensamentos e troca de experiências com todos aqueles que de alguma forma colaboram com a cultura sergipana.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

INFÂNCIA


Guardo em minha mente uma lembrança viva da infância... Uma imagem: Um fusca!, que não lembro a cor. Ah! Como gostaria de lembrar! É, talvez não seja relevante. Mas sabe como é, quem sabe seja o resquício de um desejo nostálgico de por um breve instante voltar no tempo.
De certa forma, em minha inocência de criança, guardava um sentimento de que estava vivendo naquele “ali” e “agora”, algo muito especial, que mudaria radicalmente a minha vida. Ainda ouço o barulho do motor do Fusca subindo a ladeira, fazendo a volta, de devagar, parando lá em casa. E num processo metódico, via um velho de mais ou menos sessenta anos colher algumas mochilas e fechar o veículo sempre da mesma forma.
Era estranho, e divertido, ver aquele “Senhor” alto, com um bigodinho fininho, com os pelos separados milimetricamente dos lábios, um desenho!, saindo do fusquinha, sempre com uma camisa de botão e uma caneta presa com alguns pedaços de papel. E logo de cara, era cumprimentado com um afago na cabeça.
Agonalto Pacheco, era o seu nome! Um nome próprio, que o definia! Derivado de “Argonáutico”, relativo aos argonautas. E quem eram os “Argonautas”? Eram tripulantes lendários da nau Argos; navegador ousado. E “Argos”, por sua vez, trata-se de uma personagem mitológica de cem olhos. Portanto, como eu disse, seu nome lhe pertencia. Quem o conhecia tinha logo essa impressão... Era um sábio, um comunista na essência da palavra, um humanista nato! Um homem que à sua maneira, fazia a sua parte para mudar o mundo. O meu, ao menos, ele mudou.
Lembro, quando minha mãe comentou, por comentar, que eu, seu filho mais novo e sonhador, começava a escrever histórias. E ele, muito simpático pediu para ver... Imagine como fiquei, nenhum adulto até então pedira para ler, só dizia: “Que bonitinho”. Acho que nenhum escritor nasceu graças a um “Que bonitinho”. Pois então, fui buscar o garrancho, nem tinha passado a limpo, e entreguei. Não é que o homem leu tudinho? Foi o meu primeiro conto, até lembro-me do título: “Um barco esquisito”. “Seu Agonauto”, era como eu o chamava, leu e disse: “É um bom começo, semana que vem você me mostra outro?”, e mostrei muitos outros. Pena que nunca tive em nenhum lançamento dos meus livros, por não ter endereço e telefone. Coisas da vida.
“Seu Agonauto” era um verdadeiro Argonauta! Um navegador ousado, um homem que transitava na periferia sem nenhuma artificialidade, um homem que fazia política sem a pretensão de vantagens pessoais, que “papeava” muito à vontade com pessoas de qualquer nível cultural. Um homem do povo!
Certo dia, o vi dentro de um ônibus. Sentado, envolto em seus pensamentos. Não falei com ele, pois sabia que por causa da idade, ele já não se lembrava de muita coisa e de pessoas. Pois um dia ele não me reconheceu. E nessa ocasião, no ônibus, senti um aperto no coração: Diante daquela imagem, daquele homem, doutor em Ciência Sociais e Filósofo, fundador do partido comunista em Sergipe, vereador exilado durante a ditadura, um dos presos políticos trocado pelo embaixador americano retratado no filme “Que é isso, companheiro?”, que perdeu boa parte dos dentes no período em que ficou preso pela ditadura comendo macarrão cheio de larvas dia após dia... E tudo por quê?, a que preço? Pelos seus ideais, por sonhar com um futuro digno para seu povo. E esse povo não o reconhecia. Ele levantou, deu sinal, e seguiu seu caminho.
Hoje, além de escritor e professor, sou militar. Talvez, muito provavelmente, isso decepcionasse, devido ao que me ensinou. Mas acho que os pensamentos de “fazer a diferença”, de estender a mão para quem precisa, é útil em qualquer lugar. É o que me motiva sair de casa fardado e exercer a profissão.
Ontem, recebi a notícia que “Seu Agonauto” partiu. Deve estar navegando entre um mundo e outro, com um sorriso nos lábios, animado pela infinidade de coisas novas para aprender! E eu, guardarei na lembrança a última frase dita, o último ensinamento, quando informei de que tinha ganhado o prêmio “Arlequim de Mármore” de melhor texto, pela peça “Quando o Mordomo Não é o Culpado”, e que a mesma começava a ganhar o Brasil, ele disse: - Parabéns, agora você terá muita responsabilidade e muito cuidado, eles prestarão muita atenção no que você faz.
Hoje, dia 14, 22h28min, posso dizer que valeu a pena ter vivido só pelo fato de ter cruzado e conversado, sido amigo, sobretudo, discípulo, do navegador: Agonauto Pacheco!

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