Trata-se de uma espécie de "Menu Cultural" do que o escritor vem produzindo no campo da poesia,conto, crônica,roteiro de cinema e TV,peça de teatro, e recentemente: novelas on-line. Além de compartilhamento de pensamentos e troca de experiências com todos aqueles que de alguma forma colaboram com a cultura sergipana.

sexta-feira, 30 de março de 2012

Segurem-me, que eu vou pular!




LUZ EM RESISTÊNCIA. NA BEIRA NO PALCO, E OLHANDO PRA BAIXO COMO ESTIVESSE NO ALTO DO PRÉDIO, UMA SUICIDA AMEAÇA PULAR.

POVO: - Pula! Pula!
SUICIDA: - Segurem-me, que eu vou Pular!
POVO: - Pula! Pula!

SURGE UM BOMBEIRO EM PÉ NUMA ESCADA.

BOMBEIRO: - Ufa! Pensei que não ia chegar a tempo!
SUICIDA: - Nossa! Que corpo de Bombeiro!
BOMBEIRO: - Calma!
SUICIDA: - Eu vou pular!
BOMBEIRO: - Não faça essa loucura!
SUICIDA: (FAZENDO POSE PARA PULAR) - Cansei.
BOMBEIRO: (IRRITADO) - Um momento! Depois de me fazer subir sessenta e nove andares vai pular? De jeito nenhum!
SUICIDA: - Vá embora!
BOMBEIRO: - Não!
SUICIDA: - Quem é você? Que faz aqui?
BOMBEIRO: - Queria vê-lo pular de perto.
SUICIDA: (FAZENDO NOVA POSE) - Cansei.
BOMBEIRO: (ABRAÇA SUICIDA) - Pronto. Passou, passou, vim lhe ajudar.
SUICIDA: - Quem lhe chamou?
BOMBEIRO: - Alguém lá embaixo gosta de você.
SUICIDA: - Mentira!

EMPURRA O BOMBEIRO FAZENDO-O CABALEAR, MAS ELE NÃO CAI.

BOMBEIRO: (IMPACIENTE) - Se quer morrer vá só!
SUICIDA: - Qual o nome da pessoa que lhe chamou?
BOMBEIRO: - E eu sei lá?
SUICIDA: - Ninguém gosta de mim!
BOMBEIRO: (ZOMBANDO) - Nossa!
SUICIDA: - Sou uma desclassificada, pão com ovo. Estou desempregada, minha família me abandonou e meu amor... Snif, faleceu. Posso me abrir com você?
BOMBEIRO: - Tá me estranhando?
SUICIDA: - Quero contar minha estória.
BOMBEIRO: - Acho que não entendeu. Eu não sou padre, sou Bombeiro.
SUICIDA: - Pouco importa. Eu preciso me abrir!
BOMBEIRO: - Com certeza se você pular vai se abrir.
SUICIDA: - Eu preciso contar minha estória. Preciso de alguém que me ouva…
BOMBEIRO: - Certo, mas conte logo, por favor, por que ainda quero pegar a novela das oito.

TOCA A MÚSICA "ROGÉRIO". SUICIDA DUBLA E DANÇA.

BOMBEIRO: - Eu sei muito bem o que é gostar de alguém.
SUICIDA: - Essa “pessoa” morreu?
BOMBEIRO: - Não... Hoje, um bofe disse que não me queria porque tinha medo de levar um coice… O que ele queria dizer com isso?
BOMBEIRO: (PENSA) - Não tenho a mínima ideia.
SUICIDA: (FAZENDO POSE) - Cansei! Sou horrorosa!
BOMBEIRO: - Não ligue pra isso. Como dizem os médicos: "O que importa é a beleza interior… e com certeza você é uma pessoa bonita por dentro.”.
SUICIDA: (ESTENDENDO OS BRAÇOS) - Então me vire do avesso!
BOMBEIRO: - Fresca!
SUICIDA: - Eu vou pular!
BOMBEIRO: - Não tá com vontade de pular? Pode pular ! (IRADO) Quem sou eu pra lhe empatar? Pule! Vamos, acabe logo com isso! Eu não vou limpar a sujeira lá embaixo não viu? Ah! Mas não se preocupe, os vira-latas irão recolher os ossos. Pode pular sossegada.
SUICIDA: - Eu vou pular!
BOMBEIRO: - Se for pra pular, pule logo, por que não quero perder minha novela.
SUICIDA: (CADA VEZ MAIS ESCANDALOSA) - Eu vou pular!
BOMBEIRO: - Sinta-se a vontade! Garanto que do chão não passa.
SUICIDA: - Posso fazer um último pedido?
BOMBEIRO: - Espere uma estrela cadente rachar tua cabeça. Era só o que faltava, daqui a pouco vai me pedir pra cantar "Stranger in the Night".
SUICIDA: - Você adivinhou, é justamente isso que eu ia pedir.
BOMBEIRO: - É… Até que valeu à pena fazer o curso de adivinhão por correspondência. Quanto a cantar essa música, pode tirar seu pôneizinho da chuva.
SUICIDA: - Não se nega o último pedido de um homem.
BOMBEIRO: - (RINDO) Você disse muito bem, não se nega o último pedido de um homem.
SUICIDA: - Vai cantar ou não?
BOMBEIRO: - Prometi ajudar quem precisasse. É o jeito, tô aqui pra isso.
SUICIDA: - Ótimo. Quero uma morte chiquérrima.
BOMBEIRO: - Mas eu não sei inglês.
SUICIDA: - Se vire, quero minha música!

BOMBEIRO DÁ UMA PALHINHA. (CANTA EMBROMANDO)

SUICIDA: - Lindo! Arrasou! Chega arrepiou todinha… Posso morrer feliz!

SOBE UMA REPÓRTER

REPÓRTER: - A senhora pode responder umas perguntas?

SUICIDA PULA NOS BRAÇOS DO BOMBEIRO.

SUICIDA: - Uai! Uma mulher!
BOMBEIRO: (CONTRARIADO) - Essa bixa vai me fazer perder a novela.
REPÓRTER: - A senhora tem algo dizer pra suas companheiras de classe!
SUICIDA: - Tenho sim. (TOMA MICROFONE) Uuuhhh! Colegas, vejam só o pedaço de mal caminho que veio me salvar… Podem morrer de inveja, podem se cortar com gilete.

BLACK-OUT


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Comentário:

Em comemoração ao Mês do Teatro, segue mais um texto inédito de Anderson Sant' Anna. "Segurem-me, que vou pular" ou “O Suicida”, faz parte do espetáculo "Crônicas Teatrais", uma comédia para quatro atores que faz uma divertida crônica do cotidiano.



segunda-feira, 26 de março de 2012

Bote Fé, Vote no Mané!!!



ENQUANTO ESPERA UM ÔNIBUS NUM PONTO, HOMEM ESCUTA UMA FITA.

VOZ EM OFF: - A Editora Suína apresenta com muito orgulho o curso: "APRENDA A SER POLÍTICO"  Primeira Lição: A primeira coisa que você deve saber é que o tempo todo, todos nós fazemos política, até no banheiro.
MANOEL: - Por isso fede tanto.
VOZ EM OFF: - Se você quer ganhar muito dinheiro, viajar e não fazer nada siga todos os nossos conselhos.
MANOEL: - Isso é que é vida.
VOZ EM OFF: - Antes de começarmos o curso propriamente dito…
MANOEL: - Só podia ser curso de político mesmo, até a fita é engabeladora.
VOZ EM OFF: - Faremos um teste vocacional, pois o fundamental num político é a arte de saber convencer. Aborde qualquer pessoa, e convença-a de qualquer coisa.

PASSA UMA MOÇA, MANOEL A OBSERVA, ESCONDE O WALKMAM. ELA FICA DESCONFIADA.

MANOEL: - Êta cheiro de mulher boa danado… Donde vem? Ah! É essa moça bonita de saia azul.
MOÇA: - Eu?
MANOEL: - Tem mais alguma princesa na minha frente?
MOÇA: - Como posso lhe ajudar?
MANOEL: - Pagando um lanchinho. Não como desde a semana passada. Olhe. (MOSTRA A BARRIGA MURCHA) Cada dia que se passa fico mais magro, mais uma semana eu sumo.
MOÇA: - Meu pai me disse que na rua tem muito vagabundo que não trabalha por que tem preguiça.
MANOEL: - Não seja por isso, posso oferecer meus serviços de… (PENSA) Cigano. Dê-me a sua mão.

PEGA NA MÃO DA MOÇA RAPIDAMENTE.

MOÇA: - Moço, eu não acredito nessas coisas.
MANOEL: - Hum, que coisa horrorosa! Minha filha, você tá muito carregada.
MOÇA: - É que fui fazer umas comprinhas.
MANOEL: (DE OLHOS ESBUGALHADOS) - Uma pessoa lhe odeia e vai fazer uma presepada, já rolou até macumba, e da braba: ao invés de galinha mataram um boi.
MOÇA: (DERRUBA AS SACOLAS QUE ESTAVA SEGURANDO) - Quem é?
MANOEL: - Não consigo vê, mas talvez, se a moça pagar um almoço…
MOÇA: - Quanto?
MANOEL: - Um almoço decente? Uns quarenta reais. (MOÇA PAGA) Tá difícil…
MOÇA: - Vamos logo com isso, o senhor quer me matar de curiosidade?
MANOEL: - Silêncio! Estou vendo…

DESMAIA COMO SE LEVASSE UM CHOQUE.

MOÇA: - Socorro!
SOCORRO: (COM GROSSERIA) - Que é?

AO PERCEBER QUE TODOS IGNORAM SUA PRESENÇA SOCORRO VAI EMBORA.

MOÇA: -  Moço! Moço!
MANOEL: - A pessoa que fez o trabalho pra você…
MOÇA: - Fale moço, o moço viu?
MANOEL: - Vi.
MOÇA: - Eu conheço?
MANOEL: - Essa pessoa…
MOÇA: - Não faz suspense moço… Quem foi?
MANOEL: - Estava de costa, e quando cheguei pra ver o rosto…
MOÇA: - O nome!
MANOEL: - Quando cheguei perto, a fia da peste apagou a luz. Volte amanhã, quem sabe…
MOÇA: - Obrigada.

SAI CONTRARIADA. MANOEL PEGO O WALKMAM, ENCOSTA-SE NO PONTO E CONTINUA A ESCUTAR A FITA.

VOZ EM OFF: - Parabéns! Você fez bonito. Podemos passar pra segunda lição: Um político que se respeita, jamais perde uma boa oportunidade.

MANOEL VÊ UMA REPÓTER AO LONGE. NESSE INSTANTE UM MENINO DE RUA TENTA ROUBAR SUA CARTEIRA, MAS ELE É MAIS RÁPIDO E SUGURA O GURI. QUANDO ESCUTA A APROXIMAÇÃO DA IMPRENSA TEM UMA IDÉIA E FAZ UMA PROPOSTA.

MENINO DE RUA: - Me solta! Me solta!
MANOEL: - Guri quer ganhar dinheiro?
MENINO DE RUA: - Claro!
MANOEL: - Ótimo.
MENINO DE RUA: - Tenho que fazer o quê?
MANOEL: - Parece que a imprensa vai passar por aqui, se isso acontecer, você me abraça me chama de tio e diz que sou um homem santo e que sempre ajudo vocês. Entendeu.
MENINO DE RUA: - Quanto vou faturar com isso?
MANOEL: - Se fizer tudo certinho lhe dou dez reais.
MENINO DE RUA: - Só? Quero cinquenta.
MANOEL: - Por uma coisinha de nada? (A VOZ DA REPÓTER ESTÁ MAIS PRÓXIMA) Aí vem eles.
MENINO DE RUA: (FAZ MENÇÃO DE IR EMBORA. MANOEL SEGURA PELO BRAÇO) - Cinquenta ou nada feito.
MANOEL: - É cada uma.
MENINO DE RUA: (ESTENDENDO A MÃO) – Cinquenta...
MANOEL: - Depois eu lhe dou.
MENINO DE RUA: - Até depois então.

QUANDO A REPÓRTER SE APROXIMA, MANOEL DÁ O DINHEIRO DISCRETAMENTE PARA O MENINO. REPÓRTER CONVERSA COM UM CINEGRAFISTA, CONTUDO ESTE É INVISÍVEL. NESSE MOMENTO MENINO ABRAÇA MANOEL EM PRANTOS.

REPÓRTER: - Liga a câmera Alan. Olhe só que lindo. (ENTREVISTANDO) O senhor é pai dessa criança?
MANOEL: - Não. Sou apenas um Cristão que ama o próximo.
MENINO DE RUA: - Ele é meu tio. É tio de todas as crianças aqui do calçadão. É um homem bom, sempre nos ajuda.
MANOEL: - Adoro essas crianças.
MENINO DE RUA: - Tio é um homem santo. Ele nunca nega um pedido nosso, né Tio?
MANOEL: (OLHANDO PRA PLATÉIA COMO SE FOSSE A CÂMERA) - É o mínimo que eu posso fazer. A situação tá preta no Brasil todo. Eu sei o que é isso, pois também já passei fome, já torrei Urubu pra comer assado. Mas, o mais importante nessas horas minha amiga, é você olhar pro lado e vê que outros como você também estão na pindaíba.
MENINO DE RUA: - Falou bonito tio.
MANOEL: - Obrigado.
MENINO DE RUA: - Tio, se eu pedir uma coisa o senhor faz?
MANOEL (COMO SE OLHASSE A CÂMERA) - Nunca nego um pedido pra minhas crianças.
MENINO DE RUA: - Me dê cem reais.
REPÓRTER: - Pra quê?
MENINO DE RUA: - Pra levar pra minha mãe e meus quinze irmãos.
REPÓRTER: - Não é uma gracinha.
MANOEL: (TENTANDO DISFARÇA RAIVA DÁ O DINHEIRO) -  É… é uma gracinha.

ASSIM QUE RECEBE O DINHEIRO, MENINO SAI CORRENDO.

REPÓRTER: - Não é lindo?
MANOEL: - É… É Lindo.
REPÓRTER: - O senhor é candidato há alguma coisa?
MANOEL: - Não, por enquanto não penso nisso, o que faço é por puro amor.
REPÓRTER: - Obrigada, e se o senhor se candidatar não esqueça de me avisar, meu voto é seu.

REPORTER VAI EMBORA CONVERSANDO COM O CINEGRAFISTA INVISÍVEL. MANOEL RECOMEÇA COM AS LIÇÕES.

VOZ EM OFF: - Você nasceu pra isso! Vamos a Terceira  lição: NUNCA REVIDE UMA PROVOCAÇÃO: - Você não vale um tostão de fumo podre, filho das seiscentas milipestes,  você é a cruzamento de merda com esgoto, é um lixo hospitalar… Merece levar um tiro na perna, ser atropelado por uma Scania e quando a ambulância apanhá seus bagaços, merece que ela caia numa ribanceira e exploda!
MANOEL: - Não é por nada não, mas você não me xingou demais não?
VOZ EM OFF: - Quarta Lição: "Um político profissional jamais fica vermelho" - Quinta Lição: "Sorria sempre, até quando jogarem ovo podre.”.
MANOEL: - Tá doido? Eu jogo pedra em quem se meter a besta!
VOZ EM OFF: - Sesta lição: "O bom político tem que ser um pouco de tudo.”.
MANOEL: - Essa eu não entendi.
VOZ EM OFF: - Tem que ser Capoeirista, pra passar a perna em todo mundo. Dentista, pra deixar o povo de boca aberta. Ator pra saber convencer.
MANOEL: - Isso você já disse.
VOZ EM OFF: - Sétima lição: "Aqui não existem crianças, todos já nascem eleitores" - Oitava Lição: "Pra vencer uma lição tem que casar”.
MANOEL: - Como?
VOZ EM OFF: - Se vire.

SURGE UMA VIÚVA E UMA JOVEM CARREGANDO COM MUITO ESFORÇO UM GRANDE SACO. AS DUAS REZAM.

VOZ EM OFF: - Eis sua chance de aplicar suas teorias.
MANOEL: - Mas isso é um enterro.
VOZ EM OFF: - E daí? Nona lição: "Todo político tem de ir aonde o eleitor está"
MANOEL: - Até enterro?
VOZ EM OFF: - Vá logo rapaz!

NÃO AGUENTANO MAIS O PESO, A DUAS MULHERES DERRUBAM O SACO. MANOEL SE APROXIMA.

VIÚVA: (CHORANDO)- Tão novo!
FILHA: - Novo? Já estava devendo a cemitério.
MANOEL: - O que está acontecendo.
FILHA: - Estamos encomendando a alma do meu pai.
MANOEL: - Ué? Isso não é serviço para Padre.
VIÚVA: (CHORANDO ESCANDALOSAMENTE) - É que não tivemos dinheiro pagar.
MANOEL: - É. E com esse barulho que vocês estão fazendo com certeza Deus não vai escutar. Só por curiosidade, por que logo aqui?
FILHA: - Ele sempre quis que sua alma fosse encomendada onde ele nasceu.
MANOEL: - Aqui?
FILHA: - Vovó tinha acabado de fugir da penitenciária, e foi aí onde o senhor está pisando que ele teve meu pai.
VIÚVA: (CHORANDO) - Meu marido vai pros quintos porque não tive dinheiro pra pagar um padre… Que mundo cruel…
FILHA: - Ninguém pode nos ajudar.
MANOEL: (PARA A PLATÉIA) - Esse mundaréu de gente é tudo parente.
VIÚVA: - E amigos.
FILHA: - Ele era muito querido.
MANOEL: - Se vocês quiserem posso fazer a encomenda.
FILHA: - O senhor faria isso? Nós ficaríamos eternamente agradecidos.
MANOEL: - Posso começar?
AS DUAS: (EM PRANTOS) - Pode.
MANOEL: - Em nome do pai, do filho, do filho e do espírito santo!… Vai com quem quiser! (ENTUSIASMADO APOIA-SE NO SACO) Meu povo… Meu nome é Mané.
POVO: - Mané besta!
MANOEL: - Sou besta só no nome. Comi o pão que o diabo vomitou, já caminhei muito com os pés na estrada da vida, já levei muito café preto na cara quando pedia o de comer… Por isso, como uma missão divina, me sinto preparado pra ajudar você, meu povo.
VOZ: - Não votem nesse analfabeto!
MANOEL: - Eu sei lê.
VOZ: - Mas não tem cultura.
MANOEL: - Parei de estudar por causa das mentiras cabeludas dos livros... E eu posso provar que os livros estão errados. (PEGA UM BALDE D’ ÁGUA E UMA PLANTA) Um livro de ciência disse que as plantas repiram… Vejam! Se respirasse mesmo, saia bolha. Fiquei sabido sem precisar estudar! (SOM DE APLAUSOS) Resolvi me candidatar por que vocês, meu povo, estão do lado esquerdo do meu rim. Eu amo vocês!

APLAUSOS.

VOZ: - Pilantra! Mentiroso!
MANOEL: - Não sou mentiroso! Eu quero que esse defunto morra se estou mentindo.
VOZ: - Ladrão! Mentiroso!
MANOEL: (IRRITADO) - Quer saber!? Vote em mim se quisé. Não tenham dúvida, eu vou roubar. Vou roubar sim, mas vou fazer. Meu lema é sinceridade. Bote fé, Vote no Mané!
POVO: - Bote fé, Vote no Mané!

MANOEL POE O SACO NAS COSTAS E PROSSEGUE COM O CORTEJO. MÃE E FILHA ACOMPANHAM ATÉ SAÍREM DE CENA.

VOZ EM OFF: - Considerações finais: Sempre ande com um frasco de álcool e algodão no bolso.
MANOEL: (RETORNANDO AO PONTO) - Pra quê?
VOZ EM OFF: - Depois de cumprimentar um pobre, lave as mãos com álcool. Décima primeira lição: "Pra ganhar uma eleição alie-se ao candidato mais experiente, mesmo que tenha matado sua mãe. E Se quiser chegar a presidência tire uma foto com o papa. Décima Segunda Lição: "Descubra o que o eleitor quer ouvir e conquiste a simpatia das crianças."
MANOEL: - Isso é fácil: Já vi político carregando menino no braço. E pros pirralhos é só dar pirulito.
VOZ EM OFF: - E pra terminar nosso Curso Intensivo de Política, vai uma última pergunta: "Se você ganhar, fará o que fará com as verbas que ganhar?"
MANOEL: - Ué, escolas!
VOZ EM OFF: - Errado! O povo gosta é de estradas.
MANOEL: - E estrada dá voto?
VOZ EM OFF: - Muito. Basta tapar um buraco aqui, outro ai e o que sobrar você deposita na Suíça.

POVO: - Pula! Pula!

MANOEL OLHA PRA PLATÉIA, OLHA PRO ALTO COMO SE ESTIVESSE PROCURANDO ALGUMA COISA. AO FICAR DE COSTA VÊ QUE SE TRATA DE UM SUICIDA.

POVO: - Pula! Pula!


MANOEL: - O que é aquilo?
VOZ EM OFF: - É um político usando o último recurso para virar notícia.


BLACK-OUT


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Comentário:

Em comemoração ao Dia Mundia do Teatro (27 de Março), segue mais um texto inédito de Anderson Sant' Anna. "Bote Fé, Vote no Mané" ou "Aprenda a Ser Político em 3 horas" faz parte do espetáculo "Crônicas Teatrais", uma comédia para quatro atores que faz uma divertida crônica do cotidiano.


sexta-feira, 23 de março de 2012

T.P.M. - Tensão Pré-Maternal




NUMA RUA DESERTA UM JOVEM CASAL CONVERSA. A ESPOSA ESTÁ GRÁVIDA, E A QUALQUER HORA PODE PARIR. EM FRENTE A UM BANCO DE PRAÇA, OS DOIS PARAM.

WALTER: (INDICANDO O BANCO PARA CIDA SENTAR) - Primeiro as mulé dama.
CIDA: (SENTANDO) - Vamos Walter, quero agora!
WALTER: - Agora?! O quê?
CIDA: - Olha só, não se faça de besta!
WALTER: - Aqui?! E se de repente aparecer alguém?
CIDA: - Agora!
WALTER: (ABRINDO O ZÍPER) - O.k.!
CIDA: - Tu é besta? (DÁ UM TAPA) Que tipo de mulher você pensa que sou?
WALTER: - Pensei…
CIDA: - Pois pensou demais! Quero saber o que tanto você quer me dizera a meia hora e até agora não teve coragem de abrir o bico!
WALTER: (DESCONVERSA E PROCURA SER GENTIL) - Impressão sua benzinho…
CIDA: - Desembucha!
WALTER: - A culpa é sua… Tem cabimento me fazer sair de casa assim que chego do trabalho só pra comprar uma bendita pipoca… Estou acabado. Não, mas você não liga, sua conversa é só me dê, me dê, me dê… Além do mais não gostei de entrar num cinema pornô com minha esposa… Sem contar que o tempo inteiro fiquei dando mãosadas nuns veados que se meteram a besta…
CIDA: - Não vejo nada de mais nisso… Só achei que poderia ser romântico.
WALTER: - Romântico?!
CIDA: - Você está me enrolando… Não era isso que você iria me contar… Também não precisa mais! (MAGOADA E AOS BERROS) Eu já sei, você arranjou outra, pode dizer, eu aguento… Não diga nada se não quiser, pode ir!
WALTER: - Deixa de besteira mulher!
CIDA: - E quando o Júnior nascer… Direi que ele não tem pai… que a mãe dele transou com uma proveta, que foi clonado… Sei lá!
WALTER: - Ô meu Deus! Bem que meu pai me avisou: Meu filho, toda mulher grávida é fresca!

INICIAM AS CONTRAÇÕES, CIDA GRITA.

WALTER: - Que foi mulher? Deu nó nas tripa?
CIDA: - É agora.

DEITA E ABRE AS PERNAS NA FRENTE DO MARIDO.
WALTER: - Agora?! Aqui?!
CIDA: - Aqui.
WALTER: - Assim?
CIDA: - Assim.
WALTER: - Agora, nem que a vaca fale e diga: Oi Walter tudo bem?
CIDA: - Seu sem vergonha, Júnior vai nascer!
WALTER: - Aqui?
CIDA: - Agora.
WALTER: - Aqui?!
CIDA: - Faça alguma coisa!
WALTER: - Eu? Isso é hora de parir? Não, não… Você está equivocada… sim, sim, é isso: É só uma dor de barriga. Além do mais, você não pode parir hoje.
CIDA: - Por quê?
WALTER: - Porque perdi o emprego… Era isso que eu estava hesitando em lhe contar… Portanto agora que você já sabe, segura o guri.
CIDA: (OFEGANTE) - Não posso!
WALTER: - Se vire! Quer ver seu filho lavando párabrisas no sinal para ganhar uns trocados e com esse dinheiro comprar cola pra cheirar, quer?

PASSA UM TRASEUNTE.

TRASEUNTE: - O que está acontecendo?
WALTER: - Ela achou de parir logo agora… Logo hoje que perdi o emprego, e aqui!
CIDA: - Ai! Me acuda!
WALTER: - Cida… Segura esse menino… Frauda tá cara… Ponha na cabeça que se o guri nascer agora, não terei condições de criá-lo… Estamos perdidos!

TRASEUNTE AJOELHA-SE E ACARICIA A FACE DE CIDA.

TRASEUNTE: - Não se preocupe… Eu farei o parto… Já fui obstetra…(POSICIONA-SE NA FRENTE DAS PERNAS DA GRÁVIDA) Relaxe.
WALTER: - Um momento!
TRASEUNTE: (ERGUENDO-SE) - Que foi?

ENQUANTO OS DOIS CONVERSAM CIDA PERMANECE OFEGANTE.

WALTER: - Eu não conheço o senhor, o senhor não me conhece e essa história de o Senhor ir chegando dizendo que é parideiro e abrindo as pernas da minha esposa não tá me cheirando bem… E tem mais, você disse que já foi obstetra. Disse bem: Já foi.
TRASEUNTE: - É que sou uma espécie de colecionador de profissões. Odeio rotina… Só fico no mesmo emprego durante no máximo, seis meses.
WALTER: - E hoje, qual é sua profissão?
TRASEUNTE: - Médico.  Também sou canditato a vereador (TOME MEU SANTINHO).
WALTER: - Ih! Agora complicou o negócio, se antes já num tava gostando dessa história de parto, agora gosto muito mais menos.
TRASEUNTE: - Por quê?
WALTER: - Por que político não pode ver nada de vacilo que já vai logo passando a mão.
CIDA: - Deixa de besteira Walter! Ui… Tá doendo… Tá vindo!
WALTER: - Agora? Agora mesmo?
CIDA: - Começa logo esse troço que o menino tá vindo de metrô!
WALTER: - Tudo bem, deixarei o senhor fazer o parto, mas com uma condição:
TRASEUNTE: - Qual?
WALTER: - Que o senhor em hipótese alguma olhe para a vagina da minha mulher.
TRASEUNTE: - Isso é impossível!
WALTER: - O senhor não me leve a mal, seu…
TRASEUNTE: - Amauri, (REVERENCIA) ao seu dispor.
WALTER: - Pois é seu Amauri, não que seu seja ciumento… É que não pega bem outro homem ficar olhando pra, pra… O senhor sabe.
TRASEUNTE: (BALANÇA A CABEÇA NEGATIVAMENTE) - Sei…
CIDA: (AGONIZANDO) - Isso não é hora pra se ter ciúme infeliz!
WALTER: - Ciúme! Se tem alguém nesse mundo que não é ciumento, esse alguém sou eu. Eu entendeu?
CIDA: (ENCARA TRASEUNTE) -  Noutro dia ele quase bate por que me pegou falando a uma amiga sobre Machado de Assis, Érico Veríssmo e Mário Quintana. Sabe do que ele me chamou? Me chamou de puta, de galinha, de gulosa… Tive que mostrar meus livros pra esse analfabeto parar com seus ciúmes tolos.
WALTER: - Eu não sou ciumento! Eu só encrequei por que estava bêbado, mas graças a sua mãe eu parei de beber. (FITA O TRASEUNTE)  Ela me chamou de frouxo.
TRASEUNTE: - Nossa.
CIDA: - Não precisa falar baixo idiota, essa história eu sei de cor. Minha mãe chegou pra ele, seu Amauri, e disse: - Walter, tome vergonha nessa cara lambida! Na vida a gente não toma cachaça, a gente toma é atitude!
WALTER: - Tá vendo do que ela me chama? Idiota.
TRASEUNTE: - Dona Cida, a senhora não devia dizer só isso do seu marido.
WALTER: - Olhe seu…
TRASEUNTE: - Amauri.
WALTER: - Que seja. Tude bem, o senhor pode olhar, mas me prometa uma coisa.
TRASEUNTE: - O quê?
WALTER: (GESTUALMENTE IMITA MASTURBAÇÃO) - Prometa que não vai soltar pipa pensando na minha esposa.
TRASEUNTE: - Prometo. Não se preocupe, sua mulher não faz meu tipo.
CIDA: - Então o senhor é veado!
TRASEUNTE: - Me recuso a reponder!
WALTER: - Então é. Pois eu sou macho, tanto, que meu lado feminino é sapatão. (DÁ UM TAPA NAS COSTAS DO TRASEUNTE) Tá liberado, pode fazer o parto a vontade.

TRASEUNTE ENTRA DE TAL FORMA EMBAIXO DA SAIA DA MULHER, QUE DA PLATÉIA SÓ SE VÊ AS PERNAS.

WALTER: - Ele está tão longe assim?
TRASEUNTE: - Peguei!

CRIANÇA NASCE. TRASEUNTE TIRA A CAMISA E ENXUGA AS MÃOS ENQUANTO, ATORDOADO, WALTER CAMINHA DE UM LADO PARA O OUTRO. CIDA DORME ABRAÇADA A CRIANÇA.

WALTER: - E agora, o que faço?
TRASEUNTE: - Não desanime, pra tudo na vida dá-se um jeito. Pense no seguinte: No instante em que você foi demitido, imediatamente, automaticamente, foi admitido no Olho da Rua Sociedade Anônima, e o melhor é que esta firma tem um convênio com uma empresa de transportes: A viação Canela.
WALTER: - É?
TRASEUNTE: - Afinal de contas o governo não é tão mal quanto dizem… Se há desemprego, se há recessão, é pro nosso próprio bem.
WALTER: - É… o Presidente deve saber o que faz.
TRASEUNTE: - Ótimo. Quer saber? Tive uma idéia: Um jeito do Senhor ganhar dinheiro.
WALTER: - Ganhar dinheiro?
TRASEUNTE: - Muito por sinal… O senhor pode faturar muito com nascimento do seu filho.
WALTER: - Como?
TRASEUNTE: - Conhece a lei que recentemente foi aprovada sobre doações de órgãos.
WALTER: - Conheço, até já fui dá meu parecer.
TRASEUNTE: - O senhor é contra ou é a favor?
WALTER: - Contra é claro!
TRASENTE: - Por quê?
WALTER: - Porque quero que quando Jesus venha me buscar me encontre inteiro.
TRASEUNTE: - Preste atenção no que vou lhe dizer. Esta lei foi feita para os pobres contribuírem para os ricos trapacearem a morte. É  muita grana que rola nessa transação, e o senhor também pode faturar. Afinal, quem lhe garente que depois de morto alguém irá roubar seus órgãos?
WALTER: - É, posso vender uma orelha, um rim, um olho, um testículo. Enfim, todos os órgãos pares.
TRASEUNTE: - Pode ser. Deixa comigo.
WALTER: - Por que o senhor está me dizendo tudo isso?
TRASEUNTE: - Só quero ajudar.
WALTER: - O senhor disse que posso faturar com Júnior, mas como?
TRASEUNTE: (CAUTELOSAMENTE CERTIFICA-SE DE QUE NINGUÉM ESCUTA A CONVERSA) - Vendendo o garoto.
WALTER: - Meu guri? Nunca! Pilantra! Você merece uma surra de gato morto até fazer o gato latir!
TRASEUNTE: - Calma rapaz. Pense, não esqueça que você não tem onde cair morto.
WALTER: - Posso tá fudido...
TRASEUNTE: - Mas você está!
WALTER: - Tô. Mas ainda sou humano. Sai daqui! (PUXA UMA PEIXEIRA ) Suma da minha frente calhorda!
TRASEUNTE: - Calma seu Walter.
WALTER: - Estou indignado, o Senhor me deixou com o cabelo do sovaco arrepiado.
TRASEUNTE: - E isso é bom?

CIDA COMO QUEM A ALGUM TEMPO ESCUTA A CONVERSA, LEVANTA-SE COM A CRIANÇA NO COLO.

CIDA: - Na última vez que ele ficou assim, deixou um homem paralítico.

TRASEUNTE SAI CORRENDO. CIDA APROXIMA-SE DO MARIDO.

CIDA: - Meu amor.
WALTER: - Como meu guri está?
CIDA: - Ótimo. Ele é sua cara.
WALTER: - Olhe! A língua dele é igual a minha!
CIDA: - Ah! Walter, apesar de você ser um grosso, mal educado, burro, cavalo, estúpido… Eu gosto de você.
WALTER: - Isso é um elogio?
CIDA: - Walter, você é tão quase bonito… E minha mãe dizia tanto: Minha filha não case, o casamento mata a sedução, e o homem não presta. Mas gosto de ser sua mulher.
WALTER: - E meu pai dizia: Meu filho, só case depois dos noventa pra não morrer com fama de veado. Olhe, Cida, prometo pra você e pra esse guri que acaba de nascer que amanhã mesmo vou procurar um emprego.

CHEGA UM GUARDA DE TRÂNSITO

GUARDA: - Boa noite!
WALTER e CIDA: - Boa noite seu guarda.
GUARDA: - Recebemos uma denúncia anônima do seu Amauri, de que um bebê nasceu nesta praça, isto procede?
CIDA: - Esse Amauri é um cabra safado que queria vender meu filho seu guarda…
WALTER: - E queria fazer o parto do meu filho, olhando pras vergonhas da minha mulher.
GUARDA: - Então realmente nasceu uma criança?
WALTER: - Foi... Meu filho, por quê?
GUARDA: - Bem, segundo o novo código da lei de trânsito sua esposa pariu em local proibido…
CIDA: - Quê?!
GUARDA: - Terão que pagar uma multa correspondente a oitocentos reais.
CIDA: - Isso é um absurdo!
WALTER: - É isso mesmo.
GUARDA: - Aconselho que o senhor permaneça calado, pois tudo que disser de agora em diante será usado para aumentar o preço da sua multa.
CIDA: - Isso é um roubo!
GUARDA: - Mil reais!
CIDA: - O que é que tem mil reais?
GUARDA: - É o novo valor da multa que seu marido terá que pagar.
CIDA: - Isso é um absurdo!
GUARDA: - Mil e quinhentos!
CIDA: - Isso é um roubo!
GUARDA: - Dois mil.
CIDA: - É um assal…

WALTER INTERVEM TAPANDO A BOCA DA ESPOSA.

WALTER: - Cala a boca mulher se não vamos deixar dívidas pra Júnior.
GUARDA: - Eu avisei.
WALTER: - Vamos embora.
GUARDA: - Deixem suas carteiras de pedestres.
CIDA: - Como? Eu nunca ouvi falar disso.
GUARDA: - Três mil reais. Segundo  a lei 42566588, artigo 210121456, parágrafo 785: É proibido transitar sem esta carteira. Já que não têm essa carteira, serve o RG e o CPF.

O CASAL ENTREGA OS DOCUMENTOS.

WALTER: - E aquele calhorda queria me convencer de que o governo só age pro nosso bem.




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Comentário:

Em comemoração ao Dia Mundia do Teatro (27 de Março), segue mais um texto inédito de Anderson Sant' Anna. T.P.M. - Tensão Pré-Maternal e faz parte do espetáculo "Crônicas Teatrais", uma comédia para quatro atores que faz uma divertida crônica do cotidiano.