Não raras
vezes, nos deparamos com a interferência direta dos interesses comerciais no
destino da grande massa populacional, costumeiramente alcunhados trabalhadores
ou, simplesmente, mão de obra que recebe a mais valia que “generoso” empresário
bem entender apropriada. Isto não é novo, afinal, Karl Marx já chamava atenção:
"Sem sombra
de dúvida, a vontade do capitalista consiste em encher os bolsos, o mais que
possa. E o que temos a fazer não é divagar acerca da sua vontade, mas
investigar o seu poder, os limites desse poder e o caráter desses
limites."
Contudo,
esta influência nem sempre é evidente. É o caso, por exemplo, do número
crescente de acidentes de trânsito que resultam em mortes e o exponencial
aumento de assaltos às casas lotéricas, postos de gasolina, etc. que já fazem
parte da rotina das grandes cidades.
Pode
parecer estranho associar estes eventos ao capitalismo e ao comércio, mas assim
como a famosa teoria do caos de Edward Lorenz que ganhou fama como “teoria do
efeito borboleta” segundo o qual “o bater de asas de uma simples borboleta
poderia influenciar o curso natural das coisas e, assim, talvez, provocar um
tufão do outro lado do mundo.”, ou seja, eventos simplórios, aparentemente
insignificantes podem ser condições iniciais de grandes eventos. O mesmo
acontece em relação aos casos supracitados.
Inclusive,
esta teoria que agora segue compartilhada com o amigo leitor, já foi
oportunamente apresentada para um famoso promotor do Ministério Público que tem
como hobby “descer o pau no trabalho da polícia militar” em todos os problemas
advindos da violência típica de uma capital. Na ocasião, teorizei sobre este
tema e ousei dar um alerta que a tendência era piorar, se algo não fosse feito,
sobretudo, através de uma interferência direta daquela respeitável e essencial
instituição.
Iniciemos o
nosso raciocínio considerando os crimes contra o patrimônio, especialmente, os
praticados com violência, todos, independentemente do liame subjetivo tem um
ponto em comum: os autores, logo após a consumação do fato, ingressam em
tentativa de fuga. E aí entra a questão da liberdade comercial e a fome do
capitalismo pelo lucro incondicional sem importar-se com as conseqüências, pois
através de inúmeros sites comerciais espalhados na rede mundial de computadores
são disponibilizados, sob um preço acessível, sirenes típicas de viaturas
policiais ou de emergências (ambulâncias) que induzem aos demais condutores a
deixarem o trânsito livre, para que estes possam deslocar-se o mais rápido
possível. Claro, não nos esqueçamos dos “filhinhos de papai” que entediados com
alguma retenção ou engarrafamento no trânsito, usa o mesmo dispositivo para
“tirar uma ondinha” e sair daquela situação fingindo ser um agente civil da
segurança pública.
O problema
é grave! Qualquer do povo que passar pelos diversos estabelecimentos comerciais
de peças automotivas e destinadas a motocicletas, podem comprar à vista ou
parcelado estes itens restritos, ou se quiserem, simplesmente podem encomendar
pela internet o qual terão a possibilidade de receber no conforto do seu lar e
instalar o acessório sem testemunhas.
A Lei nº
9.503 de 23.09.1997 que instituiu o Código de Trânsito Brasileiro, quando
estabeleceu em seu artigo 29, inciso VII:
“O trânsito de veículos nas vias terrestres abertas a
circulação obedecerá às seguintes normas: ... os veículos destinados a socorro
de incêndio e salvamento, os de polícia, os de fiscalização e operação de
trânsito e as ambulâncias, além da prioridade de trânsito, gozam de livre
circulação, estacionamento e parada, quando em serviço de urgência e
devidamente identificados por dispositivos regulamentares de alarme sonoro e
iluminação vermelha intermitente, observadas as seguintes disposições:
a) quando os
dispositivos estiverem acionados, indicando a proximidade dos veículos, todos os
condutores deverão deixar livre a passagem pela faixa da esquerda, indo para a
direita da via e parando, se necessário;
b) os pedestres,
ao ouvir o alarme sonoro, deverão aguardar no passeio, só atravessando a via
quando o veículo já tiver passado pelo local;
c) o uso de
dispositivos de alarme sonoro e de iluminação vermelha intermitente só poderá
ocorrer quando da efetiva prestação de serviço de urgência;
d) a prioridade de
passagem na via e no cruzamento deverá se dar com velocidade reduzida e com os
devidos cuidados de segurança, obedecidas as demais normas deste Código;
foi bem clara ao especificar quem,
efetivamente, poderia utilizar veículos dotados dos acessórios “iluminação
vermelha intermitente”, conhecido como giroflex e “alarme sonoro”. Apenas, e
exclusivamente, agentes da segurança pública ou, excepcionamente, conforme o
disposto no inciso seguinte: “os veículos prestadores de serviços de utilidade
pública”, fora isso, ninguém tem autorização para circular com tais acessórios.
Assim, se o
fizer, o condutor estará praticando infração de trânsito de acordo com artigo
230, inciso XII e XIII, do CTB, além de cometer o crime tipificado no Código
Penal Brasileiro em seu artigo 328:
“Usurpar o exercício de função pública.
Pena – detenção, de três meses a dois anos e multa.
Parágrafo único: Se do fato aufere vantagem:
Pena – reclusão, de dois a cinco anos e multa.”
pode ter o equipamento apreendido
mediante auto de exibição e apreensão da polícia judiciária.
Diz um
ditado popular que “o mal do sabido é pensar que todo mundo é besta”, digo isto
porque alguns pensam que apenas poderiam ser pegos ou punidos se fossem
flagrados usando o equipamento supracitado. Não é o caso. Se você for pego
usando, sofrerá as sanções administrativas previstas no Código de Trânsito
Brasileiro, porém, se for pego numa blitz apenas na posse, pode não sofrer a
autuação, mas com certeza terá seu equipamento apreendido, pois a Resolução 268
de 15.02.2008 do Conselho Nacional de Trânsito – CONTRAN, estabelece que “somente
os veículos mencionados no inciso VII do art. 29, inciso VII, do CTB poderão
utilizar luz vermelha intermitente e dispositivo de alarme sonoro”, dessa
forma, playboy, se você não está conduzindo um daqueles veículos descritos no
artigo mencionado acima, não é agente público, logo, como vai explicar a posse
de tal equipamento? E não adianta argumentar que estava numa situação de
emergência, pois o CONTRAN através da resolução em tela foi taxativo:
“entende-se por veículos de emergência aqueles já tipificados, inclusive os
destinados a serviços de emergência decorrentes de acidentes ambientais.” E se,
talvez, numa tentativa desesperada o condutor queira argumentar que seu veículo
presta serviço de utilidade pública, também não vai colar, pois ainda na
resolução 268, no artigo 3º, consta que
tais veículos identificam-se pela instalação de dispositivo, NÃO REMOVÍVEL, de
iluminação intermitente ou rotativa, e somente com luz amarelo âmbar. Ou se por
último, quiser alegar que já comprou o veículo automotor ou a motocicleta já
com estes dispositivos também não o ajudará, a não ser que de acordo com o art.
3º, parágrafo 2º, da Resolução 268, apresente documento com expressa
autorização do órgão executivo de trânsito do Estado ou do Distrito Federal
onde o veículo estiver registrado. Compreendeu? Melhor não comprar!
Urge,
portanto, uma providência no sentido de fiscalizar os estabelecimentos
comerciais tanto na esfera física quanto no comércio eletrônico da internet,
pois enquanto a venda de dispositivo de alarme sonoro e giroflex estiverem
sendo vendidos de forma indiscriminada, os marginais continuarão tendo a possibilidade
de garantir a fuga das suas empreitadas criminosas. Este é o primeiro exemplo
sobre as conseqüências da liberdade comercial.
Em seguida
consideremos outro “problema-asa-de-borboleta” que assim como a venda
irresponsável e indiscriminada de acessórios específicos afeta a nossa
segurança. Aqui no caso o problema é macro, advindo da influência de mega
empresas fabricantes de motocicletas, que todos sabem, em virtude dos
transtornos cada vez mais recorrentes de retenções e engarrafamentos quilométricos
nas avenidas das grandes cidades, foram beneficiadas aumentando em progressão
geométrica a venda de motocicletas e ciclomotores. Tanto que em função do
número alarmante de mortes condutores de ciclomotores, surgiu no meio popular a
expressão “funerai”.
O
crescimento cada vez maior de aquisição de motocicletas interfere diretamente
na segurança pública ao passo que coloca a cada hora, milhares de novos
motociclistas despreparados no trânsito com grande possibilidade de geraram o
caos, ou simplesmente morrerem onerando o Estado mediante cuidados médicos ou
deslocamento de agentes públicos que poderiam ser empregados em outras
circunstâncias. Então qual seria a solução, proibir ou coibir a venda
indiscriminada de motocicletas e ciclomotores? Absolutamente. Não é isto que
estou dizendo. Contudo, o artigo 54, inciso III do CTB nos dá uma luz:
“Os condutores de motocicletas, motonetas e
ciclomotores SÓ PODERÃO circular nas vias: USANDO
VESTIÁRIO DE PROTEÇÃO, de acordo com especificações do CONTRAN”.
Ou seja, de forma muito positiva o
CONTRAN regulamentou o uso do capacete e o transporte remunerado de cargas por
motocicleta e motoneta, nas resoluções nº 203 de 29.09.2006 e nº 219 de
11.01.2007, respectivamente. Entretanto, 15 (quinze) anos depois da criação do
Código de Trânsito Brasileiro, lamentavelmente ainda não se regulamentou o
VESTIÁRIO DE PROTEÇÃO para que o condutor de motocicletas, motonetas e
ciclomotores possam circular pelas vias terrestres. Como uma questão tão
importante pode ter sido negligenciada há tantos anos? Simples: Sabe quanto
custa em média um vestiário de proteção
apropriado?
Os itens de proteção de um
motociclista comum deveriam englobar jaqueta, calça, luva, pescoceira, protetor
de coluna, e bota, e tudo isso custa em média R$ 4321,00 (quatro mil trezentos e
vinte e um reais e zero centavos), ou seja, no dia em que o CONTRAN fizer uma resolução que
regulamente o VESTITUÁRIO DE PROTEÇÃO sinalizado no artigo 54, inciso III DO
CTB, conduzir motocicleta será um privilégio para poucos que além de arcar com
o valor da motocicleta terão que desenbolsar uma vultosa quantia para garantir
a sua proteção. E por dedução lógica a venda desgarrada de motocicletas,
motonetas e ciclomotores vai diminuir vertiginosamente, pois com certeza, o
assalariado não terá condições de adquirir o equipamento de proteção obrigatório.
E é lógico que as mega empresas fabricantes de motocicletas sabem disso, e não
é por acaso que após 15 anos de código ainda não temos tal dispositivo... Deve
haver muita pressão no sentido de atrasar ou nunca se publicar a regulamentação
do VESTIÁRIO DE PROTEÇÃO apropriado. Há portanto, um choque de interesses: De
um lado sustentar a venda indiscriminada das motocicletas, motonetas e
ciclomotores e de outro, garantir a segurança dos condutores-consumidores
através da exigência de uso obrigatório de VESTIÁRIO DE PROTEÇÃO, que por ser
oneroso, diminuiria a venda dos primeiros. Assim, mais uma vez há uma colisão
entre o interesse público e o privado.
Ademais,
tomando emprestado as sábias palavras de Karl Marx: “Não é a consciência do
homem que lhe determina o ser, mas, ao contrário, o seu ser social que lhe
determina a consciência” sinalizamos para que estejamos atentos às
interferências da demanda comercial na segurança pública, quer seja por meio da
venda indiscriminada de “sirenes” e “giroflex” ou a venda exacerbada de
motocicletas sem a regulamentação dos itens de segurança. Isto é pedir demais?
Não creio, pois ainda ouso acreditar, que nem tudo na vida tem um preço.
Por Teinassis