Trata-se de uma espécie de "Menu Cultural" do que o escritor vem produzindo no campo da poesia,conto, crônica,roteiro de cinema e TV,peça de teatro, e recentemente: novelas on-line. Além de compartilhamento de pensamentos e troca de experiências com todos aqueles que de alguma forma colaboram com a cultura sergipana.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Chernobil



Sabe quando você está na iminência de fazer uma idiotice? Mas que é necessária por que alguém fez merda, e alguém tem que consertar? E esse alguém é você? Era exatamente assim que todos nós nos sentíamos enquanto pegávamos nosso kit de proteção que não nos protegeria em absolutamente nada. E pensar que a poucas horas eu estava defronte a televisão ouvindo as penosas palavras do camarada Gorbachev: “Houve um inacreditável erro...”. Erro. Como uma mera palavra consegue resumir uma situação tão complexa? Um erro. Foi exatamente isso.

Será que o camarada Dyatlov também ouviu o pronunciamento do camarada mikhail? Seria bom. O desgraçado sabia que o reator era perigoso e mesmo assim ordenou o teste de redução de potência. Quem sabe o peso na consciência não o levasse para o mundo dos mortos como fez com meus colegas Rurik, Vadislav, Yakov,Lopahin, Dimitri e todos os outros quarenta e sete camaradas? Será que ele tem noção do que fez? Quatro mil pessoas morrerão por causa da sua irresponsabilidade! Quatro mil e um, pois eu também estarei nesta estatística. É necessário.

Ai como eu queria voltar no tempo, exatamente às 1h23mim47seg do dia 26 de abril de 1986 e impedir o início do teste. Como eu queria ter alertado os camaradas que acionaram o botão AZ-5. Por causa de uma ordem estúpida e um simples apertar de botão estou aqui hoje.”Não havia necessidade de procurar pela razão. O reator simplesmente foi desligado após conclusão do experimento.” Não havia necessidade hein camarada Dyatolov? Então me explica:o que estou fazendo aqui em Pripyat às cinco da manhã de um domingo? Melhor, explica para meus amigos que morrerão e para seus filhos que herdarão essa contaminação maldita. Explica pra eles. Vamos, explica!
   


Eu não queria estar aqui. E minha esposa pediu tanto. E tentei explicar o que não tinha explicação: “o quarto reator, o Chernobil 4 sofreu uma catastrófica explosão de vapor que resultou em incêndio, uma série de explosões e um derretimento nuclear que está lançando material radioativo na atmosfera.” Assim como você não quer que eu vá, eu também não gostaria de ir. Mas não tenho escolha. É necessário.

No fundo, no fundo, eu também sou culpado. Todos nós somos culpados. Nós sabíamos que a gerência da instalação era em grande parte de pessoal não qualificado para o RBMK. Bryukhanov tinha experiência e treinamento em usina termo-elétrica a carvão. Nikolai Fomin também veio de uma usina convencional. E o próprio Anatoli Duatlov somente tinha experiência com pequenos reatores nucleares. Todos eram culpados. Os camaradas operadores violaram procedimentos porque ignoravam os defeitos do reator, sem falar das ações irregulares que cotribuíram para causar o acidente. A comunicação ineficente entre os escritórios de segurança e os camaradas encarregados do experimento do camarada Duatlov só foi mais um agravante.

Removeram pelo menos 204 hastes de controle do núcleo do reator de um total de 211 quando se sabe que é permanentemente proibida a operação do RBMK com menos de 15 hastes. Poxa! Se o manual de operação do RBMK dizia que era proibido é porque havia um bom motivo. Alguém estudou anos e anos, fez experiências, postulados e concluíu que se isso não fosse feito haveria um acidente assim como teve. Estava tudo errado. Desde o início.

Após 1800 viagens de helicópteros com mais de 5000 toneladas de material extintor sobre o reator em chamas e evacuação tardia de mais de 130 mil pessoas, cá estou eu para recolher os detritos para que o “sarcófago” do reator seja finalmente constrúido.

Tentaram recolher esses detritos radioativos com tratores, guindastes, mas alguns locais era de acesso impossível. Construíram robôs especialmente para a tarefa, todos quebraram. E o lixo permenece intacto. Algo tem que ser feito por alguém. E esse alguém sou eu e meus camaradas. Somos o primeiro grupo. Sabemos que esse material que estão distribuindo para nos proteger não nos protegerá coisa nenhuma. Se máquinas e robôs não resistiram porque seria diferente conosco? Eu sei, e todos aqui sabem que estamos indo para uma viagem sem volta. Mas alguém tem que fazer. Se não o fizermos a nuvem radioativa vai se espalhar por todo o planeta e milhões de pessoas terão mortes lentas e dolorosas. Todos nós sabemos que vamos morrer. Mas temos o dever de cumprir essa tarefa. Todos somos voluntários e fazemos isso pelo nosso povo. E quando falo em povo falo em nossos pais, nossos irmãos, maridos, esposas, filhos, e filhas. O próximo. Aquele sujeito que Jesus Cristo sugeriu que amássemos como a nós mesmos, lembra?


 

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Comentário:

Há certos dias em nossa vida no qual acordamos com as dores do mundo sobre nossas costas. E quando a pessoa tem sensibilidade própria dos artistas e ou espiritualistas a questão é mais séria. Hoje foi um desses dias, acordei meio down, pensando nas vítimas do trágico acidente de Chernobil. Sem razão aparente veio-me a lembrança um documentário que vi há alguns anos sobre essa tragédia e me recordo que na ocasião fiquei comovido com os heróis anônimos que, voluntariamente, recolheram os destroços contaminados antes da construção do sarcófago do reator que causou o acidente. Aquilo me emocionou, sobretudo, por enxergar naquele gesto uma demonstração imensurável de amor ao próximo, pois todos aqueles voluntários sabia que morreriam em razão daquele serviço. Podia ser imediatamente ou em anos. Mas não havia dúvida que sofreriam drasticamente. Quantos de nós teríamos essa mesma coragem. A todas as vítimas, e principalmente aqueles heróis dedico esta crônica que escrevi no dia de hoje.



quarta-feira, 14 de setembro de 2011

A Mulher Só...




Após o almoço, contra a vontade, preparou-se para retornar ao trabalho. Como sempre, uma longa preparação. O sono durante a cesta era inevitável. De dez em dez minutos o relógio disparava o alarme, até o instante em que tinha ânimo para se levantar e ir ao ponto de ônibus.
No percurso, enquanto falava pelo celular com mais um credor sobre quando receberia, ou melhor, quando pagaria… Viu algo inesperado: Entre tantos passageiros que falavam futilidades, cutucavam-se, xingavam cobrador e motorista, entrevistavam e eram entrevistados, furtavam e eram furtados, havia uma mulher só, chorando.
A mulher só, na verdade, era uma senhora. Incrivelmente senhora. Ele não sabia se era por efeito da demora, mas a face dela se desfigurava cada vez mais. Ela chorava discretamente, para dentro de si. Apenas os olhos vacilavam e insistiam em mostrar o que ela tentava ocultar com certo esforço. Certamente não queria que as pessoas tivessem pena dela. Não sabia dizer se estava com pena ou inquieto. É... Essa é a palavra. Talvez ninguém tenha percebido a mulher só, e se perceberam, fingiram muito bem o contrário.
Ele teve vontade de procurar confortá-la, de perguntar sobre a história por trás das lágrimas, mas não foi porque algo lhe dizia que ela queria… Precisava sofrer só. Além do mais, teve que descer.
No elevador da empresa, e durante toda a tarde daquele dia ele não pensou em outra coisa.

 
 

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Comentário:

Esta crônica veio a partir da reflexão da multidão de seres isolados, solitários, que nos tornamos. Em tempos de Orkut, Facebook, MSN, etc., muitas vezes sequer damos um bom dia ao colega da poltrona ao lado, ou simplesmente cumprimentamos o vizinho e perguntamos se está tudo bem, se precisa de alguma coisa. Deixamos de exercitar o amor ao próximo.


segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Manifestação




Do mais insuportável
Sofrimento humano,
Ao mais fétido esgoto metropolitano,
Manifesta-se a poesía.

De forma agressiva
Mostra-se eruptiva,
Explode a emoção.
Se é crítica,
Cativa e conscientiza uma nação.

A poesia não é constituída
Somente por rimas, versos,
Advérbios, substantivos, sílabas,
Adjetivos e verbos.

Por trás desta aparente simplicidade,
Há uma estupenda capacidade
De transformar o feio em bonito,
O real em abstrato,
O bondoso em maléfico,
O agradável em chato,
O ódio em amor,
Satisfação em protesto.

A poesia não aparece à-toa,
Existe motivo e razão.
Pois a essência poética
Apodera-se do poeta
Mostrando o porquê da aparição.




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Comentário:

Esta poesia foi escrita em 1992 no auge da fome de produção poética. Foi o período mais produtivo da minha vida, pois tinha uma estranha sensação de que deveria aproveitar ao máximo cada por do sol. Na época não era questão pseudo-filosófica, era receio ou maluquice mesmo. rsrsrsrsrs Assim, entre uma poesia e outra, nesta procurei transcrever pela primeira vez o milagre da labuta que foi o maior presente que Deus me deu. O dom de através de palavras rimadas ou não expressar o que se passa na cabeça do coração. Deus abençoe a todos os poetas e amantes da boa poesia!



segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Eu não sei..




Eu não sei partituras,
Mas canto.
Não sei voar,
Mas gosto de pássaros.
Não entendo de mecânica,
Mas ando.
Não entendo de poesia,
Mas te dedico as mais lindas...
Aquelas ditas com o coração.

Não entendo de cinema,
Mas nos vejo em cada
Cena de amor, de entrega total.

Não entendo de religião,
Mas rezo pela sua felicidade.
Não sou ator,
Mas rio com seu riso,
E choro com teu choro.

Eu não entendo de comida,
Mas sei que a sua culinária
É a melhor do mundo!

Não entendo de astrologia,
Mas sei que é uma estrela.
Não entendo de matemática,
Mas sei que és a tão almejada
Fórmula do tudo...

Definitivamente não entendo do amor,
Mas sei que te amo.

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Comentário:

Esta poesia foi feita em homenagem as pessoas que entendem o quanto é bom amar e ser amado, de simplesmente acordar e desejar dar um bom dia a esposa (o), namorada (o), ou companheira (o), ou aquela pessoa que nutre um amor contigo. Como é bom poder celebrar dia após dia a maravilhosa experiência da troca de pequenos gestos que se tornam inesquecíveis. É assim que o amor puro e verdadeiro nos fisga, nos abraça, e nos deixa predestinados à felicidade plural. Deus não criou o amor para se entender, apenas pra se viver. Dedico esta poesia a minha musa Grazy. Te amo.


quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Deus dá e o homem tira



Deus dá e o homem tira.

Terra,
Comida,
Paz,
Vida…

Deus dá e o homem tira.

Liberdade,
Tradição,
Dignidade,
União…

Deus dá e o homem tira.

Água limpa,
Ampla flora,
Fauna rica…

Deus dá e o homem tira.

Identidade,
Orgulho,
Sanidade,
Futuro…

Deus dá e o homem tira.





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Comentário:

Esta poesia foi escrita em meados de 1998. Lembro-me que estava com a mente fervilhando de perguntas sobre o futuro, sobre a felicidade, sobre projetos, sobre mudanças e principalmente, sobre o papel de cada um de nós nesta aventura chamada vida.