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quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Análise crítica do espetáculo "A GRANDE SERPENTE"



NOME DA PEÇA: A GRANDE SERPENTE

TEXTO: RACINE SANTOS

MONTAGEM: GRUPO TEATRAL IMBUAÇA

DIREÇÃO GERAL: JOÃO MARCELINO

ASSISTENTE DE DIREÇÃO: LINDOLFO AMARAL

ELENCO: Isabel santos - Joana
iradilson bispo – Cego Adrésia
manoel cerqueira – Capanga 1
luciano lima – Arão e Cantador Misterioso
rita maia – Coro, Mulher e Criada
carlos wilker – Capanga 2
rosi moura - Tamar
talita calixto – Santinha, Mulher
késsia mecya – Coro, Mulher

SNOPSE:


O espetáculo “A Grande Serpente narra a tragédia de Arão, típico coronel nordestino do início do século, ambientada na caatinga, num povoado isolado do resto do mundo, num período de forte seca que afeta o principal meio de subsistência da população local: a seca do Poço de Arão, que é visto como sinal de castigo pelos habitantes, motivado por questões de ordem sobrenatural vinculada às crenças míticas daquele povo.

Na busca de um entendimento do problema enfrentando, Arão é advertido pela louca, Joana, que ele próprio, sem saber, é o causador da desgraça que se abate sobre o lugar. Tudo misteriosamente ligado ao seu casamento com Tamar, reflexo de uma tragédia edipiana que se não for solucionada a tempo, impossibilitará que a paz retorne aquele lugar.

Fotos de divulgação do Grupo Teatral IMBUAÇA


COMENTÁRIO


Em uma das críticas anteriores citamos a costumeira tolerância de quinze minutos, que os grupos de teatro local gostam de dar com o intuito de esperar a chegada da platéia, o que é lamentável. Dessa vez, finalmente, tal aguardo não aconteceu. O espetáculo que estava agendado para iniciar às 21h00min foi aberto ao público com cinco minutos de antecedência para que este se acomodasse ao dispositivo que fora adaptado de tal forma que propiciou degustar a trama de Racine Santos, de uma forma especial: sentindo na pele a respiração, o cheiro, o calor do drama das personagens de “A Grande Serpente”. Sem dúvida uma agradabilíssima surpresa. Um mergulho interior conduzindo à contemplação exterior, ou seja, o público ficou a poucos metros dos atores, e se não fosse pelas fabulosas máscaras que distinguiam os membros do “Coro” poder-se-ia confundi-los com o elenco.

Houve um impacto positivo quando nos demos conta do quanto poderíamos estar próximos da encenação, assim como ficamos quando ao andar nos calçadões somos surpreendidos pelo teatro de rua, onde numa área circular marcada com adereços do espetáculo o público vê e participa ativamente da história. Tal cogitação foi provocada pelo cercado de bastões verticais. Contudo, tal impressão foi logo desfeita ao constatarmos que por trás do cenário aparentemente simplório houve toda uma intenção, meticulosamente planejada e que se mostrou bem sucedida, algo típico do competente diretor João Marcelino que conseguiu trazer ao espaço elitizado do Teatro Tobias Barreto, toda a magia do teatro de rua que vem alimentando o sucesso do Imbuaça ao longo de mais de trinta anos.

Foi prazeroso enxergar um diálogo harmônico entre o chão amarelado que lembra à seca do sertão e o azul constante de um céu sem nuvens, que assim como as pinturas de “Dos Santos”, rica em tons azul e amarelo, como o preponderante na iluminação no espetáculo, principalmente na obra “Paraíso Sertanejo” que da mesma forma que a pintura nos fisga para mergulharmos num mundo à parte, de um pequeno reino cuja sustentação de poder está no “ouro do sertão”: água... E no cofre-forte de tal tesouro: Uma fonte de água potável.

Acerca do cenário, pudemos vislumbrar ao fundo um grande painel, limpo, sem gravuras, amarelo queimado como a cor da terra seca do semi-árido. Que vez por outra simulou, graças ao trabalho primoroso da luz, alusões ao por do sol, o ar infernal de meio dia e clima soturno da noite nordestina. Ainda conforme nos familiarizamos com a trama percebemos que as personagens não se prendem apenas às crendices religiosas e de labuta sobre solo rachado. É muito mais que isso. Trata-se de um aglomerado de tragédias e alegrias correlacionadas, de misticismo, que leva todos minuto a minuto terem a sanidade mental submetida à prova. Quando percebemos tal característica das personagens da trama com o tema “incesto” como pano de fundo, conseguimos compreender que o cercado também é a representação de uma prisão sem muros, cujas limitações estão pautadas na crença de se viver num lugar intransponível, no qual, como diz o capanga 2: “É preferível ser castigado pelo Arão, do que morrer castigado pelo sol.”

Quanto ao elenco é difícil nomear alguém que se destacou mais. Por isso, reforçamos a impressão de A GRANDE ARTE ser uma bela pintura. E conforme análise costumeira de “Kandinsky” acerca de obras primas nas artes plásticas, a tragédia de Arão montada pelo Grupo Teatral Imbuaça evidencia claramente dois elementos: o interior e o exterior. “O interior é a emoção da alma do artista; essa emoção tem a capacidade de provocar uma emoção semelhante no observador”.

Cada um desempenhou o papel que deveria: Uns com maior desenvoltura e profundidade na interpretação outros de forma mediana, mas sem comprometer o ótimo nível do espetáculo.

Também é bastante visível a “mão” do diretor “João Marcelino” ao explorar entradas impactantes das personagens. A estranha ““ criatura de olhos luminosos” que mais tarde se revelam como os personagens “Capanga 1” e “Capanga 2”, são um bom exemplo. Manoel Cerqueira nos apresentou um trabalho interessante, contudo deixou de render o que poderia se não tivesse dado a impressão de ter perdido a personagem em alguns momentos. Já o companheiro de cena, “Carlos Wilker” em vários momentos lembrou as inspiradas interpretações de Mariano.
Isabel Santos, mais uma vez mostrou porque é considerada uma das melhores atrizes do teatro sergipano, vivenciado a loucura de “Joana” através de uma respiração ofegante, voz gutural, sussurros angustiados que são mais que suficientes para vomitar na platéia toda a sua loucura. Uma interpretação memorável. Que dizer das intérpretes das mulheres do vilarejo e do Coro? Creio que a melhor palavra seria CONSTRUÇÃO. Ou seja, tratou-se de um belo exemplo de construção de personagem, onde com poucas palavras, cada uma conseguiu através da linguagem corporal simbolizar a dor e a agonia daquelas personagens. Nota dez para Rita Maia, Talita Calixto e Késsia Mecya! Já Rosi Moura, intérprete de “Tamar”, apesar dos poucos lapsos de perda da personagem mostrou-nos que é uma grande promessa do teatro sergipano. Talita Calixto, por sua vez, foi uma grata surpresa, que assim como Rita Maia e Tetê Nahas têm o dom de dizer muitas coisas em silêncio, de interpretar majestosamente com os olhos. Por último, vimos em “A GRANDE SERPENTE” a maturidade da interpretação de Luciano Lima, que assim como Isabel Santos conseguiu êxito em elevar a interpretação de Arão em nível de incorporação de inflexão de voz, tensão constante no pescoço de quem “carrega o peso do mundo nas costas”, e gestos apurados na expressão corporal. Um nível de interpretação que só foi visto no teatro Sergipano com interpretações memoráveis como de Du Santus e Isaac Galvão em “Esperando Godot” ou Luís Carlos Reis em “Ratos de Esgoto”. Entretanto, apesar da primeira aparição do “Cantador Misterioso” lembrar “Bob Frose” na inesquecível dança da serpente do filme O PEQUENO PRÍNCIPE, não rendeu o quanto poderia. Talvez, em virtude da expectativa criada no diálogo entre os capangas 1 e 2 e o Cantador Misterioso de um duelo de versos. Ou até mesmo a exploração aquém de uma personagem de infinitas possibilidades. Não ver a encenação de algo tão nordestino como o repente foi no mínimo frustrante.

O figurino é fantástico, com a cor da terra seca. Muito rico em detalhes como os anéis do Cego Adrésia, a coroa de Arão. Também foi uma agradável surpresa.

Maquiagem: De extrema importância. Evidenciando as marcas da miséria e a luta pela sobrevivência no rosto, nos cabelos, na pele coberta de poeira. E perucas sutis. Podemos destacar as mãos vermelhas do “Adrésia” e os olhos desenhados na palma das mãos.

Segundo dados do grupo; o processo contou com a direção de arte de João Marcelino, trilha sonora de Eduardo Pinheiro e João Marcelino, Projeto de iluminação de Denys Leão, máscaras confeccionadas por Iradilson Bispo, preparação vocal de Pablo Macedo, operação de som Rogers Nascimento, Fotografia Vinícius Vini, Projeto gráfico de Raphael Borges, Coordenação de produção Lindolfo Amaral e Isabel Santos, assistente de produção Mércia Barreto.

No mais é visível a riqueza da arte de João Marcelino que torna a mais nova montagem do Grupo Imbuaça numa ótima pedida de entretenimento que nos dá um orgulho extra pelo fato de ser um grupo sergipano que nos apresenta tamanha maravilha!

PONTO ALTO

è Cena da luta com bastões entre o Cego Adrésia e Arão. Tecnicamente perfeita, que só poderia ser feita por alguém que tivesse pleno domínio do corpo e expressão corporal, ou seja, por Iradilson Bispo.

è Cena da procissão da personagem alcunhada de “Santa”.

è Primeira aparição do “Capanga 1” e “Capanga 2”.


è Mobilidade do cenário. Principalmente no uso oportuno das cenas do “Coro”. Uma perfeita harmonia de cenário, máscaras e luz. Também tem o mérito de evidenciar o mundo à margem da civilização, o isolamento experimentado por todas aquelas personagens.

è Cena da revelação do incesto, principalmente a gradativa expressão de horror de Arão.

è Cena da chuva no final do espetáculo.

è Aparição do Cego Adrésia e discussão com Arão.


PONTO MORTO

è Ausência de encenação do duelo de versos entre o “Cego Adrésia” e o “Cantador misterioso.
è Não constar no folder distribuído no espetáculo nome dos personagens do espetáculo associado aos atores.


RECOMENDAÇÕES

Fotos de divulgação do Grupo Teatral IMBUAÇA
 
A GRANDE SERPENTE! É mais que um espetáculo de teatro, é uma pintura, uma catarse, uma experiência de reflexão e autoconhecimento da cultura nordestina. Uma dança sincronizada de iluminação e trilha sonora sóbria, sempre aplicada com um propósito uma intenção além da cena, às vezes se confundindo com a própria cena, às vezes sendo mais um componente de um elenco essencialmente equilibrado. Excelente opção de entretenimento cultural, quem for conferir não vai se arrepender. Recomendo!!!



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