Trata-se de uma espécie de "Menu Cultural" do que o escritor vem produzindo no campo da poesia,conto, crônica,roteiro de cinema e TV,peça de teatro, e recentemente: novelas on-line. Além de compartilhamento de pensamentos e troca de experiências com todos aqueles que de alguma forma colaboram com a cultura sergipana.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Upgrade


 
-         Bianca, talvez seja exatamente isso o que você falou. Eu não queria admitir, mas é isso mesmo, meu relacionamento com Eraldo já deu no que tinha que dá.
-         Então termina!
-         Nããoo! Bianca. Se fosse outro eu até faria isso sem pestanejar. Mas ele é tão legal. Ontem mesmo ele me mandou flores só para dizer que pensou em mim. Você entende? Eu nunca achei um homem como ele: carinhoso, gentil, paciente. Vinicius é tudo que uma mulher pode querer, entende? Além do mais, são quase três anos... Como é que vou terminar assim, sem mais nem menos? Talvez, estejamos em má fase... Talvez não... A atenção dele não diminuiu nem um pouco, sabe? Ele continua o mesmo desde o primeiro beijo, com o mesmo brilho nos olhos. Talvez não haja problema nenhum, seja frescura minha, coisa de mulher, stresse talvez.
-         Então não sei Flávia.
-         Mas me diga minha amiga. O que faço? Se há uma coisa certa nisso tudo, é que eu estando satisfeita ou não, não posso continuar me sentido assim: como se algo estivesse faltando, isso o faria infeliz... E ele não merece isso.
-         Olha, eu tenho uma grande amiga que é psicóloga.
-         Que é isso Bianca! Você está achando que estou doida?
-         Não! Você não entendeu. Ela não é uma psicóloga comum, na realidade ela é conselheira familiar. Ela é especialista em relacionamentos que estão em crises.
-         Mas meu relacionamento não está em crise Bianca!
-         Certo. Não está. Mas se você continuar com esses pensamentos logo, logo vai ficar. No mínimo ela vai lhe aconselhar para que você não chegue nesse ponto, vai até dar um upgrade... É apenas um conselho, você segue se quiser.
                    
Não muito longe dali, na casa de Fred, Vinicius desabafava:

-         Fred, eu gosto de Flávia pra caramba!
-         Esse é o seu problema meu amigo. Não devemos nos apegar.
-         Ô meu amigo, eu te chamei foi para desabafar, não para ouvir suas teorias.
-         Tá, tudo bem.
-         O caso é que por mais que eu mande flores, mensagem fonada e o diabo, a mulher não se acende... É como se ela agradecesse, e continuasse comigo por convenção ou piedade, entende? É como se ela achasse que como não irá encontrar outro tão carinhoso como eu, não quisesse me perder, mesmo não havendo um certo “fogo”. Que faço?
-         Sendo eu arranjava outra.
-         Não fale isso nem de brincadeira Fred, eu gosto demais daquela mulher!
-         E quem falou em deixá-la? Eu disse para você arranjar outra. Existem as amantes sabia?
-         Jamais!
-         Então...
-         O que?
-         Se eu fosse você iria, para um psicólogo.
-         Será que me ajudaria?
-         Pior do que está não fica.
-         Algum em especial?
-         Rapaz... Lembra que um dia desses lhes falei que parecia que meus pais iriam se separar?
-         Lembro.
-         Só que não se separaram porque procuraram uma psicóloga especialista em dar upgrade em relacionamentos, lembra?
-         Será que serve para mim?
-         Rapaz... Se ela conseguiu fazer que com que os velhos se apaixonassem novamente, o seu caso não será tão complicado.
-         E funcionou?
-         Você acha que estamos sozinhos aqui por quê? Os velhos foram pro Motel meu amigo, e tem sido assim desde que começaram a se consultar com essa psicóloga.
-         É... Pode dar certo. Vou dar uma passadinha por lá amanhã e vê no que é que dá.
                          Naquela manhã de segunda feira, Vinicius foi o primeiro da fila. A psicóloga ainda não tinha chegado, mas a secretária garantiu que não havia nenhuma consulta marcada e que ele seria prontamente atendido. A espera foi longa, só deitou no divã uma hora e meia depois.

Elenilde, a psicóloga, não enrolou, foi direto ao assunto:

- Qual o seu problema?
- Aí é que está doutora, não sei se realmente tenho um problema.
- Qual motivo lhe trouxe?
- Minha namorada.
- O que tem sua namorada?
- Por mais que mande flores, mensagem fonada e o diabo, a mulher não se acende... É como se ela agradecesse, e continuasse comigo por convenção ou piedade, entende? É como se ela achasse que como não irá encontrar outro tão carinhoso como eu, não quisesse me perder, mesmo não havendo um certo “fogo”. Que é que eu faço?
- Seu problema é o mesmo da maioria dos meus pacientes.
- Sério?
- Muito sério. Se você não tomar providências imediatas, irá perdê-la.
- Qual é o meu problema Doutora? O que devo fazer?
- Você como a maioria dos casais caiu na rotina.
- Só isso?
- Pois é “só isso” que vai fazê-lo perder a namorada.
- O que devo fazer?
- Fale-me sobre ela.
- Ela é linda, tem um metro e setenta, uma linda mulata...
- Não é isso que eu quero saber. Fale-me da personalidade.
- Ela exige pontualidade em tudo; não gosta de Rock in Roll; odeia literatura brasileira; detesta academia e adeptos.  É religiosa, mas nem tanto; odeia ignorância; detesta quando as coisas não ficam bem claras; odeia “segredinhos”; odeia “metáforas”; detesta quem só desabafa por telefone. Para ela o homem ideal se veste de forma social e detesta homem infiel.
- E você só faz o que ela gosta, não é?
- Isso mesmo.
- Só porque ela gosta, ou você realmente é assim?
- É o meu jeito mesmo.
- Pois bem, se você quiser sair da rotina e deixá-la doidinha por você novamente, deverá fazer exatamente aquilo que eu disser.
- Pode mandar doutora, eu garanto que farei.
- A solução é simples: Faça tudo isso que você disse que ela odeia. Tudo mesmo. Não deixe nada de fora.
- A senhora está falando serio?
- Tão certa quanto o meu nome. Falando nisso, como você chegou aqui?
- Um amigo meu, o Fred. Os pais deles que não se olhavam há tempos, depois de vir aqui não passam um dia sem ir a um motel.
- Os fatos falam por si, concorda?
- Se a doutora garante...
- Se não der certo não me chamo Elenilde!

Vinicius saiu super empolgado, tanto, que tratou de ligar imediatamente para a namorada e marcar algum programa à tarde, mas não foi possível por que ela disse que tinha uma consulta marcada por volta das cinco horas.

No consultório Flávia esperou pouco, pois sua consulta já tinha sido marcada. Quando ela entrou na sala, a Doutora Elenilde já estava a postos.

- Pode sentar menina. O divã é todo seu.
- Meu nome é Flávia Tenório.
- O meu é Elenilde, muito prazer. – a psicóloga sorriu com os olhos. – Que posso fazer por você Flávia?
- Sinceramente?
- De preferência.
- Sinceramente não sei. Nem sei o que vim fazer aqui.
- Normal. Todos acham que não precisam de um psicólogo.
- Deve ser isso.
- O que te aflige?
- Meu namorado é bom demais!
- E isso é problema?
- Bom demais mesmo, perfeito! Ontem mesmo ele me mandou flores só para dizer que pensou em mim durante o dia...
- E você não gostou?
- Adorei! Que mais eu poderia querer?
- E qual é o problema?
- Eu nunca achei um homem como ele: carinhoso, gentil, paciente. Vinicius é tudo que uma mulher pode querer, entende?... A atenção dele não diminuiu nem um pouco, ele continua o mesmo desde o primeiro beijo, com o mesmo brilho no olho... O que me mata, que me faz sentir mal pra caramba é que me sinto como se algo estivesse faltando, e isso o faria infeliz... E ele não merece isso!
- O problema é simples, ele continua o mesmo e você também. Vou lhe dar o mesmo conselho que dei para um cliente hoje pela manhã: Saia da rotina!
- Como?
- Dê um perfil psicológico do seu namorado.
- Bem... Detesta quem rói a unha; adora música clássica; odeia Química; não gosta de quem ri alto. É muito religioso, odeia ateu; detesta andar a pé, exige ser bem tratado; detesta quem anda largado; odeia soberba; detesta preguiça em qualquer aspecto e principalmente, mulheres que usam cabelo curto, tipo corte masculino, de máquina dois ou três.
- Você realmente quer salvar o seu relacionamento?
- Muito! Sei que uma pessoa como ele nunca mais encontrarei. O que devo fazer?
- Faça tudo aquilo que ele detesta.
- Mas isso não fará com que eu o perca?
- Confie em mim. Sei o que estou dizendo.
- Isso realmente da certo?
- Até hoje deu.

Flávia adorou a consulta, a psicóloga era muito boa, parecia que sabia o que estava dizendo. E ela decidiu pagar para ver. A ansiedade era muito grande, por isso ligou para Vinicius marcando um jantarzinho a dois na casa dela, já que seus pais tinham viajado. Claro, ele topou na hora. O jantar seria a oportunidade de começar o tratamento. O início da terapia tinha hora marcada: às vinte horas daquela noite.

A primeira coisa a fazer era deixar o cabelo bem curto: máquina dois. Vinicius ficaria de queixo caído quando a visse daquele jeito. O namorado também tomou algumas providências; naquela mesma tarde matriculou-se numa academia. Ele iria para o tal jantar como um típico marombeiro. Imaginem o choque de ambos!

Às oito e meia, Flávia já estava nervosa. Qual o porquê do atraso? Vinicius nunca atrasou, e meia hora? Ele sabia que ela odiava atrasos! E por que o celular dele estava desligado? Aquilo a consumia. Mas não devia ser nada, certamente ele teria uma boa explicação.

O atraso por um lado foi bom, deu para ela dar uma conferida na visão “largadona” que preparou para o seu amado. Também deu para recolher todas as imagens e livros religiosos. Ela sabia que ele odiaria isso... Cinqüenta minutos de atraso? Cadê aquele...  A campanhia tocou.

Flávia não acreditou no que viu do olho mágico: Vinicius estava todo suado, em roupa de lycra, como se estivesse vindo de uma...

- De onde você veio?
- Da academia. Desculpe, é que sabe como é, fiquei malhando e acabei me atrasando.
- Você sabe que eu odeio isso.
De repente Vinicius ficou sério. Flávia percebeu que ele notou o corte, não satisfeita provocou:
- Gostou?
- Ta horrível!
- Obrigada!

O choque foi muito grande, e o inevitável aconteceu; eles que nunca discutiram por nada acaram discutindo. Flávia vez por outra dava risos escandalosos irritando Vinicius profundamente.

Quando chegou a conclusão de que já tinha ido longe demais, Flávia deu um abraço no namorado e o arrastou para dentro do seu AP.

- Ta... Tudo bem meu amor. Eu não vou implicar mais com sua academia e você não vai brigar pelo meu cabelo, ok?

Vinicius iria falar alguma coisa, mas ela o imobilizou com um beijo.

- Posso por uma música?
- Claro meu amor.

O namorado pôs um disco de Rock in Roll, do seu amigo Fred. Era ensurdecedor. Mas fazer o que? Tudo em nome do amor. Quando se virou para ver a reação da namorada, a viu séria e roendo a unha. Aquilo o irritou profundamente. Só não começou uma nova briga porque o celular tocou.

- Alô. Sim... Isso... – Ao olhar para Flávia viu que a curiosidade a consumia, por isso decidiu instigá-la, não diria que quem estava ao telefone era Fred querendo saber se tudo estava dando certo, seria a cartada final daquela terapia. - Olha... Não posso falar com você agora... Depois te ligo... Beijos.
- Quem era?
- Ninguém... Coisa minha.
- Como é? Você pensa que eu sou otária é?
- Olha Flávia, você está muito estranha hoje, deve estar naqueles dias... Por isso eu vou relevar, e o melhor que eu faço é ir embora. Tchau.

Assim, ele se foi. Sem dar nenhum beijo.

Pasma, Flávia começou a chorar e só parou às quatro da manhã, parou quando percebeu que Vinicius era o homem da sua vida e sem ele não poderia viver. Em casa, o namorado também chorava e chegava a mesma conclusão. Por isso, os dois decidiram ligar. O problema é que escolheram o mesmo instante. E o telefone de ambos deu sinal de ocupado.

- Ele deve estar falando com outra. Isso não vai ficar assim, vou pra lá agora!
- Ela deve estar falando com a amiga. Eu é que não vou ficar por aqui, vou conversar com Fred. Preciso desabafar.

Flávio desceu em passos largos. Na porta do prédio chamou um táxi. E graças a uma coincidência que só vimos nos filmes hollywoodianos, sabe quem estava lá, no táxi? Ela mesma, Flávia. Quando a reconheceu Vinicius se derreteu em lágrimas.

Os dois se abraçaram e se beijaram. O taxista interrompeu: como é? Vamos andar ou vão ficar por aqui? Isso aqui não é motel não! Eles não ouviram, continuaram a trocar carinhos e juras de amor.

Depois de semanas aplicando a terapia, tudo saiu conforme o esperado.

As mudanças foram tão radicais, que ele e ela não tinham mais nada da personalidade de quando se conheceram, embora tivessem os mesmos corpos, se transformaram em pessoas totalmente diferentes. Foi isso que fez o amor recôndito voltar, flamejante, verdadeiro e infinito.



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Comentário:

Esse conto foi escrito no dia 27/06/2002 às 18h26min. É engraçado revisitar textos que escrevemos há alguns anos, percebemos alguns vícios, preferência por algumas palavras, pontuações. Muito interessante e instrutivo. Esta estória foi concebida a partir da observação do comportamento de alguns casais de amigos, como disse o amigo Marcos Andrade: A vida imita a arte... Essa premissa é verdadeira, sobretudo em se tratando de amor.rsrsrsrsrsrs

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