Trata-se de uma espécie de "Menu Cultural" do que o escritor vem produzindo no campo da poesia,conto, crônica,roteiro de cinema e TV,peça de teatro, e recentemente: novelas on-line. Além de compartilhamento de pensamentos e troca de experiências com todos aqueles que de alguma forma colaboram com a cultura sergipana.

terça-feira, 19 de julho de 2011

Gíria que mata


              
               Fernando era seu nome. Gente boa pra caramba, entretanto tinha um pequeno defeito: falava muitos palavrões, mas não tinha a intenção de agredir ninguém, era apenas um jeito de se comunicar.

               Quando queria dizer que iria surpreender alguém, falava: “Eu vou te matar!” O internauta deve estar se perguntando: "Como assim?" Bem, levando em consideração que ao se ter uma arma apontada, (revólver, canivete, qualquer coisa) fica-se atônito, o coração dispara e há uma inevitável surpresa, pode até fazer sentido, ao menos pra ele tinha. Quando queria agradecer, falava: “Você é foda!”, para relaxar: “Vá se fuder.”
            
               Enfim, a maioria dos objetos recebiam um outro nome; dinheiro era arma, camarada era o mesmo que “filho da puta” ou “fi da peste”, mas ele não chamava qualquer um de filho da puta não, só os melhores amigos. E ele os valorizava muito, era sua maior riqueza! Pelo menos era o que gostava de bradar todo orgulhoso. E realmente era, pois eles gostavam da pessoa ''Fernando" e o enxergavam com os olhos do coração: Além da aparência, dos vocábulos, da rusticidade... Além do palavrão.

Por incrível que pareça, ninguém o criticava, pois suas palavras não condiziam com suas ações: era gentil, solidário, alguns até adotaram seu vocabulário.

Um dia, ao saber que sua irmã Alagoana estava com a passagem do mundo dos mortos nas mãos, foi visitá-la. Na rodoviária não demorou, pois a notícia já tinha sido espalhada e os funcionários agilizaram a papelada. Era muito bem quisto.

-      Seu Fernando, como vai ser o pagamento? Cheque, cartão ou dinheiro?
-      Se preocupe não fi da peste, hoje tô armado. – Pôs a mão atrás, pegou a carteira e pagou a vista. Todos riram­, e o ônibus partiu.

               Após vinte e quatro horas de viagem, desembarcou e dirigiu-se ao ponto de táxi, mas nenhum dos taxistas deram importância porque um homem que vestia bermuda descalço camiseta e chapéu de palha não aparentava ser um homem rico.

               Com seu jeito inusitado, Fernando encostou num táxi e bradou:

-      Ei fi da peste!
-      Eu?
-      É! Quero que você me leve pra Colégio.
-      Como é rapaz?
-      Quero ir pra colégio.
-      Não perguntei isso! Eu quero que você repita o que me chamou!
               -      Ôxe!. De fi da peste. – Quando o homem ia partir pra violência, o fiscal interviu: “Relaxa, ele não quer briga, é apenas seu jeito de falar... Relaxe.” E o taxista, calmo, indagou se ele tinha dinheiro.
               -     Ah! Então o fi da peste pensa que não tô armado?, pois eu vou lhe matar é agora, e de uma só vez, e com minha arma!

               Naquele dia Fernando “abotoou o paletó” provando que palavras ferem como navalhas, que podem ser mortais se utilizadas de forma errada, principalmente quando são municiadas pelo medo do desconhecido, do novo, pelo preconceito. Por isso, assim como um peixe, “morreu pela boca”. Até hoje, os poucos que testemunharam o assassinato daquela figura folclórica, relembram o episódio com um certo conformismo pelo fato da morte ter sido tão rápida que não deu tempo dele se dar conta do que tinha acabado de acontecer: Pouco antes de terminar a frase, sem conseguir puxar a carteira, Fernando foi baleado cinco vezes. A morte foi instantânea.

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Comentário:

Essa crônica foi feita a partir de uma série conversas entre amigos, sobretudo após algumas gotas de cerveja. Tratou-se de uma reflexão sobre o poder das palavras, principalmente em se tratando da língua portuguesa que é rica de possibilidades de expressão. Também retrata uma fase de litura fantástica que vislumbrei durante a metade da saudosa adolescência. 


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"Conheça todas as teorias, domine as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana." - Gustav Jung