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quarta-feira, 30 de março de 2011

Pagando o Pato



Não seria ótimo sabermos, exatamente, a nossa utilidade? O que devemos fazer? Mirna sabia. Quer dizer... Ela sabia aquilo que todos os “senhores da verdade” disseram para ela. Principalmente aquela: “uma boa mulher deve cuidar direitinho do maridinho.” Como? Lavando, passando, cozinhando, dando cafuné? Noutras palavras: deveria tratar os homens como menininho mimado. Era assim desde o início dos tempos. E devia continuar assim. Era o certo.
É preciso compreender Mirna. Não devemos julgá-la. O caro leitor deve estar se perguntando: de que forma uma moça como Mirna, uma excelente professora de português, pós-graduada em língua Alemã, seguiu a tradição tratando seu primeiro marido como lhe ensinaram? Como? Garanto que foi mais forte que ela.
A explicação para tal postura está no berçário. Sua mãe, Dona Eudóxia, sempre que a amamentava falava: “Vai minha filhinha, mama direitinho, assim... Desse jeito vai se tornar uma mulher bonita, inteligente e vai ter um marido bom que vai lhe dar tudo que você precisa... Alimente-se bem para ter saúde e realizar todos os desejos do seu maridinho e ter forças para agüentar tudinho calada, como eu, que estou aqui como uma doida falando com um bebê de duas semanas, enquanto seu pai saiu às três da manhã pra fazer sabe-se lá o que... Vai minha filha, coma direitinho, assim você será uma mulher feliz... Como eu.”. Em algum lugar do cérebro de Mirna, estas palavras foram guardadas.
Como ela poderia resistir? Embora sempre tenha sido a primeira da classe, brigasse por seus direitos em movimentos estudantis. Mirninha, como seus amigos gostavam de chamá-la, cresceu ouvindo as recomendações da mãe. Por isso, ela chegou à conclusão de que não custava tentar segui-las quando encontrasse o seu príncipe encantado. Dito e feito.
Aos vinte e cinco anos ela se casou. Foi um alívio para Dona Eudóxia que já tinha perdido as esperanças. O nome do príncipe era César. Um gentleman! Pelo menos no início do relacionamento. Eles se conheceram na formatura dela. Mas isso não vem ao caso agora. O que interessa é que se casaram e a filha de Eudóxia seguiu os conselhos na íntegra. Resultado: Em menos de um ano o homem só a via como uma serviçal. Isso nos momentos em que fazia amor, pois no cotidiano a via como objeto mesmo. Imaginem como ela não ficou. Talvez o leite que sua mãe dera não foi bom o suficiente para fazê-la suportar tudo corajosamente em silêncio, pois no dia em que completara um ano de casamento pleno de felicidade, pelo menos para ele, ela pediu as contas. Foi um escândalo na família.
Ninguém entendia. Ele muito menos. Quando ela disse que queria o divórcio, ele apenas indagou: “Para quê? você não tem do que reclamar, eu te tratei como uma flor. - Ela sorriu, e disse: Foi justamente por isso, você pisou nessa flor.” Foi assim que ela deu adeus, aquele homem, e a todos os conselhos que recebera da sua querida mãe. Daquele dia em diante ela seria feliz segundo o seu próprio conceito de felicidade.
Cinco anos se passaram e ela mergulhou no trabalho. Resistiu o quanto pôde a novos relacionamentos. Até que surgiu Alfredo, um jovem e idealista poeta. Desde que o viu pela primeira vez ela ficou encantada e teve a certeza de que ele saberia fazer uma mulher como ela feliz. Por isso, quando foi pedida em casamento, a resposta estava na ponta da língua: sim!
Casaram. E hoje são felizes à sua maneira. Porém, Mirna não trata o segundo marido como lhe fora ensinado. Ela não cozinha, não lava, não passa... Ele não se incomoda, até gosta, pois está ciente do que aconteceu a sua amada esposa no primeiro casamento. Ele apenas comenta sorrindo de que está pagando pelos erros do outro. Está pagando o pato.

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"Conheça todas as teorias, domine as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana." - Gustav Jung