Trata-se de uma espécie de "Menu Cultural" do que o escritor vem produzindo no campo da poesia,conto, crônica,roteiro de cinema e TV,peça de teatro, e recentemente: novelas on-line. Além de compartilhamento de pensamentos e troca de experiências com todos aqueles que de alguma forma colaboram com a cultura sergipana.

quinta-feira, 3 de março de 2011

Olhar de mulher



Até aquele instante ela não dissera nada. Apenas observava aquele homem que por mais que se esforçasse jamais a entenderia. Se estava ali, naquele restaurante de comida italiana, num jantar à luz de velas, não foi sua iniciativa. Ela bem que tentou cancelar aquele encontro. Por diversas vezes tentou dizer que não dava para continuar algo que não tinha condição de começar. Definitivamente chegar até ali foi um erro.
Entre um gole e outro de vinho e uma fatia de pizza, ele tentou convencê-la de que ela não tinha nenhum motivo para não o querer. Como você não quer me namorar? Indagava o moço. – Logo eu, um médico respeitável, cirurgião plástico! Além de lhe proporcionar todo o conforto do mundo: carros, viagens, jóias, ainda poderei lhe dar a beleza eterna. Como você não me quer? Você sabe quantas mulheres dariam um braço para estar no seu lugar hoje? Você sabe? – Ela sabia. Mas mesmo assim, não o queria.
Naquela noite, ela ouviu com muita paciência aquele homem que se dizia perfeito para ela. Será que era? Quem o sabe? O fato, é que ela chegara a conclusão que viver sem amor seria o mesmo que entrar num parque de diversões sem brinquedo. Claro que ele não entendeu nada.
Helena, era o nome dela. Tentou repetir, só que na hora errada. Justamente no momento em que abria a boca, o restaurante fora invadido por ladrões que tinham acabado de assaltar um banco e estavam fugindo da polícia. A algazarra foi geral. Tudo foi muito rápido e em menos de um minuto duas pessoas foram mortas. Tudo muito rápido, não havia tempo para se preocupar com o próximo. O homem que acompanhava Helena, assim que percebeu a agitação num piscar de olhos se escondeu sob a mesa. Tentou arrastá-la também. Mas ela não se moveu. Apenas continuou observando, sem piscar os olhos.
A polícia não deu trégua, entrou junto com os ladrões. Em pouco tempo de tiroteio sete pessoas morreram e dois dos três ladrões. O que sobreviveu, para assegurar o direito à vida, pegou um refém: Helena.
O choque de todo o acontecimento foi tão grande que Helena não teve tempo de ficar nervosa. Ela permaneceu estática, rígida. Com o pensamento em qualquer lugar, menos ali. Talvez a única coisa que estava ligada em seu organismo era a visão e alguns pensamentos soltos da sua mente.
Todos estavam neuróticos. Muitos gritavam e choravam. Outros sentiam um ódio daquele ladrão. Mas Helena não. Helena não. Ela era diferente.
Na manhã daquele sábado, enquanto se penteava, ele se lembrou de um trecho de um filme que tinha assistido na noite anterior: “Eu te amo sem saber como, ou quando ou onde. Eu te amo simplesmente sem complicações nem orgulho. Então te amo assim, pois não conheço outra maneira. Tão perto, que tua mão no meu peito é minha mão. Tão perto, que quando fecha os teus olhos eu adormeço.” Enquanto lembrava, mais uma vez chorou. Pois ela tinha se dado conta do tamanho erro em ter noivado com aquele jovem médico. Ela não o amava como aquele personagem do filme. E tinha na derme e nas veias a certeza de que a vida sem um amor verdadeiro e intenso não valia à pena. Foi por isso que aceitou o convite de jantar. Iria acabar com tudo. Com tudo aquilo que sequer tinha começado. Era preciso.
As horas passavam. O ladrão ficava cada vez mais nervoso. A imprensa já estava no local o que tornou o clima ainda mais tenso. O delegado negociava cara a cara com o bandido. Helena chegava a sentir frieza do "trinta e oito" em sua nuca. A sua maneira, ela sofria. Mas apesar de tudo, não tinha raiva daquele jovem que a abordara. Ela não o via como um ladrão de bancos, seqüestrador ou um assassino frio. Ela via aquele jovem como um pobre ser humano que ainda não sabia o que era o amor verdadeiro. Alguém que não sabia amar e ser amado. Como alguém que desde cedo só conheceu a indiferença, a pobreza de espírito, que nunca recebeu um abraço sincero, que nunca recebera um sorriso de boas vindas. Tinha a sensação de que ele sofria e não sabia disso. Ela via tudo aquilo como um pedido de socorro daquele jovem mascarado. Talvez ela fosse a única pessoa daquele restaurante que pensava assim, porque via tudo com um olhar de mulher: Via a todos, inclusive o bandido, como filhos de mulheres guerreiras que lutaram só Deus sabe como para todos vivenciarem aquele momento, que de uma maneira ou de outra, misteriosamente, seria importante na vida de cada um. Ela via aquele homem que apontava uma arma na sua cabeça, não como uma pessoa que perdera um nome e ganhara um número na ficha da polícia. Ela via tudo aquilo como uma oportunidade de mostrar ao mundo através das lentes das câmeras, que àquele amor verdadeiro que Jesus Cristo tanto falava, aquele amor que oferece a outra face, realmente existia. Mas não foi possível, pois no instante em que ela se virou para dizer ao assaltante que o entendia e o perdoava, um policial deu um tiro certeiro na cabeça do mesmo. Ela sentiu os miolos do homem grudar em seu cabelo.
Todos aplaudiram a façanha do policial. A imprensa saia aos tapas para entrevistar em primeira mão aquela moça que passara por tudo numa calma sobrenatural. Pensaram que ela estava em choque devido à felicidade. Mas não era por isso. Ela não via aquele homem armado que acabara de morrer como um bandido, mas como um bebê que algum dia mamou no colo da mãe numa maternidade. Via-o como uma vida que se perdera. Via-o com olhar de mulher.


2 comentários:

  1. Fantástico! Muito massa, migo!
    Ñ me canso de te elogiar por esses lindos textos q vc sempre nos presenteia!
    Espero q vc ñ tenha vivido, no trabalho como policial, essas cenas..rs.
    Gde bjo e muito mais sucesso pra vc, Andinho!
    Q DEUS te abençoe!!
    Mércia Bomfim

    ResponderExcluir
  2. Parabéns irmão, belíssima cronica.

    ResponderExcluir

"Conheça todas as teorias, domine as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana." - Gustav Jung