Sábado - 05h00min
Todos os moradores já estavam acordados. Arrumaram as farofas, as cachaças e as camisinhas. O fim de semana prometia. No ônibus o mesmo de sempre: muita batucada pra viagem parecer curta.
8h15min - Hora de chegada.
A famosa Praia do Saco já estava cheia. Como se não bastasse ser final de semana, era temporada de férias. Seu Menêz, o mais animado da excursão (como uma chaminé da Petrobrás, completava vinte quatro horas de fogo), desceu apertado e tratou logo de tirar “água do joelho. Entretanto, fez na frente de todo mundo, pra quem quisesse ver. Isso incomodou a todos, por isso, o próprio filho tomou a frente e chamou a atenção. Este, em meio há muitos xingamentos atendeu a reivindicação, mas não sem antes passar a mão na bunda da viúva evangélica provocando uma série de novos protestos que chegaram até ele sem nenhum efeito.
Não tenham dúvida, o velho era um mala.
8h35min
Após vinte minutos de chateações Seu Menêz resolveu dar uma caminhada. Ninguém o acompanhou, até o incentivaram ir sozinho. “É bom para refletir na vida e coisa e tal”. Disseram. Ele foi, mas antes roubou três coxinhas de galinha que tinham acabado de assar. Quiseram até bater, mas o filho interveio dizendo que o pai já estava gagá e não sabia o que estava fazendo.
16h07min
Todos arrumaram as trouxas para ir embora. Mais sete minutos e meio depois todos já estavam prontinhos no ônibus, no entanto, na recontagem perceberam que estava faltando um, e justamente quem? Claro. O mala. Seu Menêz.
17h07min
- É melhor a gente desistir Juninho, seu pai do jeito que é dever ter ido pra estrada pegar uma carona, ou o que é mais provável, deve estar escondido em algum lugar mangando da cara da gente.
- O pai! Se o senhor estiver me ouvido, preste atenção: Se não aparecer, VAMOS EMBORA!
- Não é por nada não Juninho, mas acho que mesmo que ele estivesse se escondendo alguém já o teria encontrado.
- Então o que será que aconteceu?
- Tenho cá comigo que ele deve ter ido nadar e se afogado.
- Mas ele sabe nadar.
- E a onda sabe afogar.
- É melhor a gente ir embora logo. A viagem por aqui é muito perigosa, além do mais o povo já está agoniado, e no caminho avisamos a polícia.
17h10min
Recontagem. Continuava faltando só um. Todos foram embora.
18h22min
Num ponto distante, seu Menêz acordou de um sono profundo. Ao seu redor havia garrafas de cerveja. Olhou o relógio e apavorou-se com o horário.
- "Êta meu Deus! Perdi a hora… O povo deve tá doido atrás de mim."
18h23min
No ônibus, enquanto o filho chorava outros batucavam em homenagem ao suposto defunto.
18h31min
Seu Menêz chegou no local do acampamento.
- "Porcaria! Que bando de gente sem coração é essa? Onde já se viu, deixar um velho numa praia? Nem qu’ eu tivesse dinheiro. E agora? Vou ter que pedir carona.”
19h45min
Cansado de tanto esticar o dedão pedindo carona e ser quase atropelado, Seu Menêz sentou-se na beira da estrada, pensativo.
- "É. Nestes trajes ninguém me dará carona. O jeito é ir caminhando."
22h00min
Toda a família foi comunicada do sumiço do velho e concluíram que ele morreu afogado. Depois de choros e abraços decidiu-se fazer um enterro simbólico no dia seguinte.
22h01min
Seu Menêz iniciou a caminhada.
Domingo - 8h17min
Houve a simulação de enterro, muita gente compareceu. (Aqui pra nós: quem compareceu estava apenas interessado na feijoada feita em homenagem ao "defunto").
8h43min
Um caminhoneiro ofereceu carona para Seu Menêz.
- O que o senhor está fazendo sozinho por essas bandas?
- Fui farofar e me esqueceram.
- Isso não é coisa que se faça com um velhinho.
- Também acho.
- Principalmente um velhinho tão bonitinho como o senhor.
- Aí eu não acho!
- É sério! - alisa as coxas.
- Era só o que me faltava, pegar carona com um boiola na estrada.
- Que é que tem?
- Tem que eu vou descer.
- E se eu não deixar?
- Você não é besta fi de uma égua.
Resultado, Seu Menêz foi desmoralizado, mas saiu vivo para continuar sua caminhada.
12h15min
A “viúva” lembrou do velho.
- Pensar que ontem Menêz comeu sua última farofa…
Todos choram.
16h00min
Seu Menêz catou comida no lixo de uma restaurante de beira de estrada.
21h18min
Ascendeu mais uma vela para o morto.
23h00min
Seu Menêz deitou-se na carroceria de um caminhão e dormiu.
Segunda - 4h56min
O caminhoneiro jogou um balde d'água no velhinho. Seu Menêz levantou atordoado. Um outro caminhoneiro comovido com a cena chamou a atenção do colega e ofereceu carona.
7h35min.
O velho foi deixado na porta de casa. Todos ainda dormiam. Quer dizer, dormiam até começar a reclamação:
- Cadê esses desgraçados que me deixaram? Maria condenada me prepara uma bóia que tô morrendo de fome!
Dois filhos se acordaram com o barulho. Um desmaiou e outro correu pra chamar o padre. Pensando tratar-se de vozes de um sonho, Maria falou:
- Homem... Não se come do outro lado.
- Mas eu quero comer e pronto, levanta, tô com fome! - puxou o lençol.
Assim que acordou a ex-viúva teve um ataque e desmaiou.
Seu Menez deu as costas e dirigiu-se a cozinha.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
"Conheça todas as teorias, domine as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana." - Gustav Jung