Trata-se de uma espécie de "Menu Cultural" do que o escritor vem produzindo no campo da poesia,conto, crônica,roteiro de cinema e TV,peça de teatro, e recentemente: novelas on-line. Além de compartilhamento de pensamentos e troca de experiências com todos aqueles que de alguma forma colaboram com a cultura sergipana.

sexta-feira, 23 de março de 2012

T.P.M. - Tensão Pré-Maternal




NUMA RUA DESERTA UM JOVEM CASAL CONVERSA. A ESPOSA ESTÁ GRÁVIDA, E A QUALQUER HORA PODE PARIR. EM FRENTE A UM BANCO DE PRAÇA, OS DOIS PARAM.

WALTER: (INDICANDO O BANCO PARA CIDA SENTAR) - Primeiro as mulé dama.
CIDA: (SENTANDO) - Vamos Walter, quero agora!
WALTER: - Agora?! O quê?
CIDA: - Olha só, não se faça de besta!
WALTER: - Aqui?! E se de repente aparecer alguém?
CIDA: - Agora!
WALTER: (ABRINDO O ZÍPER) - O.k.!
CIDA: - Tu é besta? (DÁ UM TAPA) Que tipo de mulher você pensa que sou?
WALTER: - Pensei…
CIDA: - Pois pensou demais! Quero saber o que tanto você quer me dizera a meia hora e até agora não teve coragem de abrir o bico!
WALTER: (DESCONVERSA E PROCURA SER GENTIL) - Impressão sua benzinho…
CIDA: - Desembucha!
WALTER: - A culpa é sua… Tem cabimento me fazer sair de casa assim que chego do trabalho só pra comprar uma bendita pipoca… Estou acabado. Não, mas você não liga, sua conversa é só me dê, me dê, me dê… Além do mais não gostei de entrar num cinema pornô com minha esposa… Sem contar que o tempo inteiro fiquei dando mãosadas nuns veados que se meteram a besta…
CIDA: - Não vejo nada de mais nisso… Só achei que poderia ser romântico.
WALTER: - Romântico?!
CIDA: - Você está me enrolando… Não era isso que você iria me contar… Também não precisa mais! (MAGOADA E AOS BERROS) Eu já sei, você arranjou outra, pode dizer, eu aguento… Não diga nada se não quiser, pode ir!
WALTER: - Deixa de besteira mulher!
CIDA: - E quando o Júnior nascer… Direi que ele não tem pai… que a mãe dele transou com uma proveta, que foi clonado… Sei lá!
WALTER: - Ô meu Deus! Bem que meu pai me avisou: Meu filho, toda mulher grávida é fresca!

INICIAM AS CONTRAÇÕES, CIDA GRITA.

WALTER: - Que foi mulher? Deu nó nas tripa?
CIDA: - É agora.

DEITA E ABRE AS PERNAS NA FRENTE DO MARIDO.
WALTER: - Agora?! Aqui?!
CIDA: - Aqui.
WALTER: - Assim?
CIDA: - Assim.
WALTER: - Agora, nem que a vaca fale e diga: Oi Walter tudo bem?
CIDA: - Seu sem vergonha, Júnior vai nascer!
WALTER: - Aqui?
CIDA: - Agora.
WALTER: - Aqui?!
CIDA: - Faça alguma coisa!
WALTER: - Eu? Isso é hora de parir? Não, não… Você está equivocada… sim, sim, é isso: É só uma dor de barriga. Além do mais, você não pode parir hoje.
CIDA: - Por quê?
WALTER: - Porque perdi o emprego… Era isso que eu estava hesitando em lhe contar… Portanto agora que você já sabe, segura o guri.
CIDA: (OFEGANTE) - Não posso!
WALTER: - Se vire! Quer ver seu filho lavando párabrisas no sinal para ganhar uns trocados e com esse dinheiro comprar cola pra cheirar, quer?

PASSA UM TRASEUNTE.

TRASEUNTE: - O que está acontecendo?
WALTER: - Ela achou de parir logo agora… Logo hoje que perdi o emprego, e aqui!
CIDA: - Ai! Me acuda!
WALTER: - Cida… Segura esse menino… Frauda tá cara… Ponha na cabeça que se o guri nascer agora, não terei condições de criá-lo… Estamos perdidos!

TRASEUNTE AJOELHA-SE E ACARICIA A FACE DE CIDA.

TRASEUNTE: - Não se preocupe… Eu farei o parto… Já fui obstetra…(POSICIONA-SE NA FRENTE DAS PERNAS DA GRÁVIDA) Relaxe.
WALTER: - Um momento!
TRASEUNTE: (ERGUENDO-SE) - Que foi?

ENQUANTO OS DOIS CONVERSAM CIDA PERMANECE OFEGANTE.

WALTER: - Eu não conheço o senhor, o senhor não me conhece e essa história de o Senhor ir chegando dizendo que é parideiro e abrindo as pernas da minha esposa não tá me cheirando bem… E tem mais, você disse que já foi obstetra. Disse bem: Já foi.
TRASEUNTE: - É que sou uma espécie de colecionador de profissões. Odeio rotina… Só fico no mesmo emprego durante no máximo, seis meses.
WALTER: - E hoje, qual é sua profissão?
TRASEUNTE: - Médico.  Também sou canditato a vereador (TOME MEU SANTINHO).
WALTER: - Ih! Agora complicou o negócio, se antes já num tava gostando dessa história de parto, agora gosto muito mais menos.
TRASEUNTE: - Por quê?
WALTER: - Por que político não pode ver nada de vacilo que já vai logo passando a mão.
CIDA: - Deixa de besteira Walter! Ui… Tá doendo… Tá vindo!
WALTER: - Agora? Agora mesmo?
CIDA: - Começa logo esse troço que o menino tá vindo de metrô!
WALTER: - Tudo bem, deixarei o senhor fazer o parto, mas com uma condição:
TRASEUNTE: - Qual?
WALTER: - Que o senhor em hipótese alguma olhe para a vagina da minha mulher.
TRASEUNTE: - Isso é impossível!
WALTER: - O senhor não me leve a mal, seu…
TRASEUNTE: - Amauri, (REVERENCIA) ao seu dispor.
WALTER: - Pois é seu Amauri, não que seu seja ciumento… É que não pega bem outro homem ficar olhando pra, pra… O senhor sabe.
TRASEUNTE: (BALANÇA A CABEÇA NEGATIVAMENTE) - Sei…
CIDA: (AGONIZANDO) - Isso não é hora pra se ter ciúme infeliz!
WALTER: - Ciúme! Se tem alguém nesse mundo que não é ciumento, esse alguém sou eu. Eu entendeu?
CIDA: (ENCARA TRASEUNTE) -  Noutro dia ele quase bate por que me pegou falando a uma amiga sobre Machado de Assis, Érico Veríssmo e Mário Quintana. Sabe do que ele me chamou? Me chamou de puta, de galinha, de gulosa… Tive que mostrar meus livros pra esse analfabeto parar com seus ciúmes tolos.
WALTER: - Eu não sou ciumento! Eu só encrequei por que estava bêbado, mas graças a sua mãe eu parei de beber. (FITA O TRASEUNTE)  Ela me chamou de frouxo.
TRASEUNTE: - Nossa.
CIDA: - Não precisa falar baixo idiota, essa história eu sei de cor. Minha mãe chegou pra ele, seu Amauri, e disse: - Walter, tome vergonha nessa cara lambida! Na vida a gente não toma cachaça, a gente toma é atitude!
WALTER: - Tá vendo do que ela me chama? Idiota.
TRASEUNTE: - Dona Cida, a senhora não devia dizer só isso do seu marido.
WALTER: - Olhe seu…
TRASEUNTE: - Amauri.
WALTER: - Que seja. Tude bem, o senhor pode olhar, mas me prometa uma coisa.
TRASEUNTE: - O quê?
WALTER: (GESTUALMENTE IMITA MASTURBAÇÃO) - Prometa que não vai soltar pipa pensando na minha esposa.
TRASEUNTE: - Prometo. Não se preocupe, sua mulher não faz meu tipo.
CIDA: - Então o senhor é veado!
TRASEUNTE: - Me recuso a reponder!
WALTER: - Então é. Pois eu sou macho, tanto, que meu lado feminino é sapatão. (DÁ UM TAPA NAS COSTAS DO TRASEUNTE) Tá liberado, pode fazer o parto a vontade.

TRASEUNTE ENTRA DE TAL FORMA EMBAIXO DA SAIA DA MULHER, QUE DA PLATÉIA SÓ SE VÊ AS PERNAS.

WALTER: - Ele está tão longe assim?
TRASEUNTE: - Peguei!

CRIANÇA NASCE. TRASEUNTE TIRA A CAMISA E ENXUGA AS MÃOS ENQUANTO, ATORDOADO, WALTER CAMINHA DE UM LADO PARA O OUTRO. CIDA DORME ABRAÇADA A CRIANÇA.

WALTER: - E agora, o que faço?
TRASEUNTE: - Não desanime, pra tudo na vida dá-se um jeito. Pense no seguinte: No instante em que você foi demitido, imediatamente, automaticamente, foi admitido no Olho da Rua Sociedade Anônima, e o melhor é que esta firma tem um convênio com uma empresa de transportes: A viação Canela.
WALTER: - É?
TRASEUNTE: - Afinal de contas o governo não é tão mal quanto dizem… Se há desemprego, se há recessão, é pro nosso próprio bem.
WALTER: - É… o Presidente deve saber o que faz.
TRASEUNTE: - Ótimo. Quer saber? Tive uma idéia: Um jeito do Senhor ganhar dinheiro.
WALTER: - Ganhar dinheiro?
TRASEUNTE: - Muito por sinal… O senhor pode faturar muito com nascimento do seu filho.
WALTER: - Como?
TRASEUNTE: - Conhece a lei que recentemente foi aprovada sobre doações de órgãos.
WALTER: - Conheço, até já fui dá meu parecer.
TRASEUNTE: - O senhor é contra ou é a favor?
WALTER: - Contra é claro!
TRASENTE: - Por quê?
WALTER: - Porque quero que quando Jesus venha me buscar me encontre inteiro.
TRASEUNTE: - Preste atenção no que vou lhe dizer. Esta lei foi feita para os pobres contribuírem para os ricos trapacearem a morte. É  muita grana que rola nessa transação, e o senhor também pode faturar. Afinal, quem lhe garente que depois de morto alguém irá roubar seus órgãos?
WALTER: - É, posso vender uma orelha, um rim, um olho, um testículo. Enfim, todos os órgãos pares.
TRASEUNTE: - Pode ser. Deixa comigo.
WALTER: - Por que o senhor está me dizendo tudo isso?
TRASEUNTE: - Só quero ajudar.
WALTER: - O senhor disse que posso faturar com Júnior, mas como?
TRASEUNTE: (CAUTELOSAMENTE CERTIFICA-SE DE QUE NINGUÉM ESCUTA A CONVERSA) - Vendendo o garoto.
WALTER: - Meu guri? Nunca! Pilantra! Você merece uma surra de gato morto até fazer o gato latir!
TRASEUNTE: - Calma rapaz. Pense, não esqueça que você não tem onde cair morto.
WALTER: - Posso tá fudido...
TRASEUNTE: - Mas você está!
WALTER: - Tô. Mas ainda sou humano. Sai daqui! (PUXA UMA PEIXEIRA ) Suma da minha frente calhorda!
TRASEUNTE: - Calma seu Walter.
WALTER: - Estou indignado, o Senhor me deixou com o cabelo do sovaco arrepiado.
TRASEUNTE: - E isso é bom?

CIDA COMO QUEM A ALGUM TEMPO ESCUTA A CONVERSA, LEVANTA-SE COM A CRIANÇA NO COLO.

CIDA: - Na última vez que ele ficou assim, deixou um homem paralítico.

TRASEUNTE SAI CORRENDO. CIDA APROXIMA-SE DO MARIDO.

CIDA: - Meu amor.
WALTER: - Como meu guri está?
CIDA: - Ótimo. Ele é sua cara.
WALTER: - Olhe! A língua dele é igual a minha!
CIDA: - Ah! Walter, apesar de você ser um grosso, mal educado, burro, cavalo, estúpido… Eu gosto de você.
WALTER: - Isso é um elogio?
CIDA: - Walter, você é tão quase bonito… E minha mãe dizia tanto: Minha filha não case, o casamento mata a sedução, e o homem não presta. Mas gosto de ser sua mulher.
WALTER: - E meu pai dizia: Meu filho, só case depois dos noventa pra não morrer com fama de veado. Olhe, Cida, prometo pra você e pra esse guri que acaba de nascer que amanhã mesmo vou procurar um emprego.

CHEGA UM GUARDA DE TRÂNSITO

GUARDA: - Boa noite!
WALTER e CIDA: - Boa noite seu guarda.
GUARDA: - Recebemos uma denúncia anônima do seu Amauri, de que um bebê nasceu nesta praça, isto procede?
CIDA: - Esse Amauri é um cabra safado que queria vender meu filho seu guarda…
WALTER: - E queria fazer o parto do meu filho, olhando pras vergonhas da minha mulher.
GUARDA: - Então realmente nasceu uma criança?
WALTER: - Foi... Meu filho, por quê?
GUARDA: - Bem, segundo o novo código da lei de trânsito sua esposa pariu em local proibido…
CIDA: - Quê?!
GUARDA: - Terão que pagar uma multa correspondente a oitocentos reais.
CIDA: - Isso é um absurdo!
WALTER: - É isso mesmo.
GUARDA: - Aconselho que o senhor permaneça calado, pois tudo que disser de agora em diante será usado para aumentar o preço da sua multa.
CIDA: - Isso é um roubo!
GUARDA: - Mil reais!
CIDA: - O que é que tem mil reais?
GUARDA: - É o novo valor da multa que seu marido terá que pagar.
CIDA: - Isso é um absurdo!
GUARDA: - Mil e quinhentos!
CIDA: - Isso é um roubo!
GUARDA: - Dois mil.
CIDA: - É um assal…

WALTER INTERVEM TAPANDO A BOCA DA ESPOSA.

WALTER: - Cala a boca mulher se não vamos deixar dívidas pra Júnior.
GUARDA: - Eu avisei.
WALTER: - Vamos embora.
GUARDA: - Deixem suas carteiras de pedestres.
CIDA: - Como? Eu nunca ouvi falar disso.
GUARDA: - Três mil reais. Segundo  a lei 42566588, artigo 210121456, parágrafo 785: É proibido transitar sem esta carteira. Já que não têm essa carteira, serve o RG e o CPF.

O CASAL ENTREGA OS DOCUMENTOS.

WALTER: - E aquele calhorda queria me convencer de que o governo só age pro nosso bem.




--------------------------
Comentário:

Em comemoração ao Dia Mundia do Teatro (27 de Março), segue mais um texto inédito de Anderson Sant' Anna. T.P.M. - Tensão Pré-Maternal e faz parte do espetáculo "Crônicas Teatrais", uma comédia para quatro atores que faz uma divertida crônica do cotidiano.


Nenhum comentário:

Postar um comentário

"Conheça todas as teorias, domine as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana." - Gustav Jung