Trata-se de uma espécie de "Menu Cultural" do que o escritor vem produzindo no campo da poesia,conto, crônica,roteiro de cinema e TV,peça de teatro, e recentemente: novelas on-line. Além de compartilhamento de pensamentos e troca de experiências com todos aqueles que de alguma forma colaboram com a cultura sergipana.

segunda-feira, 26 de março de 2012

Bote Fé, Vote no Mané!!!



ENQUANTO ESPERA UM ÔNIBUS NUM PONTO, HOMEM ESCUTA UMA FITA.

VOZ EM OFF: - A Editora Suína apresenta com muito orgulho o curso: "APRENDA A SER POLÍTICO"  Primeira Lição: A primeira coisa que você deve saber é que o tempo todo, todos nós fazemos política, até no banheiro.
MANOEL: - Por isso fede tanto.
VOZ EM OFF: - Se você quer ganhar muito dinheiro, viajar e não fazer nada siga todos os nossos conselhos.
MANOEL: - Isso é que é vida.
VOZ EM OFF: - Antes de começarmos o curso propriamente dito…
MANOEL: - Só podia ser curso de político mesmo, até a fita é engabeladora.
VOZ EM OFF: - Faremos um teste vocacional, pois o fundamental num político é a arte de saber convencer. Aborde qualquer pessoa, e convença-a de qualquer coisa.

PASSA UMA MOÇA, MANOEL A OBSERVA, ESCONDE O WALKMAM. ELA FICA DESCONFIADA.

MANOEL: - Êta cheiro de mulher boa danado… Donde vem? Ah! É essa moça bonita de saia azul.
MOÇA: - Eu?
MANOEL: - Tem mais alguma princesa na minha frente?
MOÇA: - Como posso lhe ajudar?
MANOEL: - Pagando um lanchinho. Não como desde a semana passada. Olhe. (MOSTRA A BARRIGA MURCHA) Cada dia que se passa fico mais magro, mais uma semana eu sumo.
MOÇA: - Meu pai me disse que na rua tem muito vagabundo que não trabalha por que tem preguiça.
MANOEL: - Não seja por isso, posso oferecer meus serviços de… (PENSA) Cigano. Dê-me a sua mão.

PEGA NA MÃO DA MOÇA RAPIDAMENTE.

MOÇA: - Moço, eu não acredito nessas coisas.
MANOEL: - Hum, que coisa horrorosa! Minha filha, você tá muito carregada.
MOÇA: - É que fui fazer umas comprinhas.
MANOEL: (DE OLHOS ESBUGALHADOS) - Uma pessoa lhe odeia e vai fazer uma presepada, já rolou até macumba, e da braba: ao invés de galinha mataram um boi.
MOÇA: (DERRUBA AS SACOLAS QUE ESTAVA SEGURANDO) - Quem é?
MANOEL: - Não consigo vê, mas talvez, se a moça pagar um almoço…
MOÇA: - Quanto?
MANOEL: - Um almoço decente? Uns quarenta reais. (MOÇA PAGA) Tá difícil…
MOÇA: - Vamos logo com isso, o senhor quer me matar de curiosidade?
MANOEL: - Silêncio! Estou vendo…

DESMAIA COMO SE LEVASSE UM CHOQUE.

MOÇA: - Socorro!
SOCORRO: (COM GROSSERIA) - Que é?

AO PERCEBER QUE TODOS IGNORAM SUA PRESENÇA SOCORRO VAI EMBORA.

MOÇA: -  Moço! Moço!
MANOEL: - A pessoa que fez o trabalho pra você…
MOÇA: - Fale moço, o moço viu?
MANOEL: - Vi.
MOÇA: - Eu conheço?
MANOEL: - Essa pessoa…
MOÇA: - Não faz suspense moço… Quem foi?
MANOEL: - Estava de costa, e quando cheguei pra ver o rosto…
MOÇA: - O nome!
MANOEL: - Quando cheguei perto, a fia da peste apagou a luz. Volte amanhã, quem sabe…
MOÇA: - Obrigada.

SAI CONTRARIADA. MANOEL PEGO O WALKMAM, ENCOSTA-SE NO PONTO E CONTINUA A ESCUTAR A FITA.

VOZ EM OFF: - Parabéns! Você fez bonito. Podemos passar pra segunda lição: Um político que se respeita, jamais perde uma boa oportunidade.

MANOEL VÊ UMA REPÓTER AO LONGE. NESSE INSTANTE UM MENINO DE RUA TENTA ROUBAR SUA CARTEIRA, MAS ELE É MAIS RÁPIDO E SUGURA O GURI. QUANDO ESCUTA A APROXIMAÇÃO DA IMPRENSA TEM UMA IDÉIA E FAZ UMA PROPOSTA.

MENINO DE RUA: - Me solta! Me solta!
MANOEL: - Guri quer ganhar dinheiro?
MENINO DE RUA: - Claro!
MANOEL: - Ótimo.
MENINO DE RUA: - Tenho que fazer o quê?
MANOEL: - Parece que a imprensa vai passar por aqui, se isso acontecer, você me abraça me chama de tio e diz que sou um homem santo e que sempre ajudo vocês. Entendeu.
MENINO DE RUA: - Quanto vou faturar com isso?
MANOEL: - Se fizer tudo certinho lhe dou dez reais.
MENINO DE RUA: - Só? Quero cinquenta.
MANOEL: - Por uma coisinha de nada? (A VOZ DA REPÓTER ESTÁ MAIS PRÓXIMA) Aí vem eles.
MENINO DE RUA: (FAZ MENÇÃO DE IR EMBORA. MANOEL SEGURA PELO BRAÇO) - Cinquenta ou nada feito.
MANOEL: - É cada uma.
MENINO DE RUA: (ESTENDENDO A MÃO) – Cinquenta...
MANOEL: - Depois eu lhe dou.
MENINO DE RUA: - Até depois então.

QUANDO A REPÓRTER SE APROXIMA, MANOEL DÁ O DINHEIRO DISCRETAMENTE PARA O MENINO. REPÓRTER CONVERSA COM UM CINEGRAFISTA, CONTUDO ESTE É INVISÍVEL. NESSE MOMENTO MENINO ABRAÇA MANOEL EM PRANTOS.

REPÓRTER: - Liga a câmera Alan. Olhe só que lindo. (ENTREVISTANDO) O senhor é pai dessa criança?
MANOEL: - Não. Sou apenas um Cristão que ama o próximo.
MENINO DE RUA: - Ele é meu tio. É tio de todas as crianças aqui do calçadão. É um homem bom, sempre nos ajuda.
MANOEL: - Adoro essas crianças.
MENINO DE RUA: - Tio é um homem santo. Ele nunca nega um pedido nosso, né Tio?
MANOEL: (OLHANDO PRA PLATÉIA COMO SE FOSSE A CÂMERA) - É o mínimo que eu posso fazer. A situação tá preta no Brasil todo. Eu sei o que é isso, pois também já passei fome, já torrei Urubu pra comer assado. Mas, o mais importante nessas horas minha amiga, é você olhar pro lado e vê que outros como você também estão na pindaíba.
MENINO DE RUA: - Falou bonito tio.
MANOEL: - Obrigado.
MENINO DE RUA: - Tio, se eu pedir uma coisa o senhor faz?
MANOEL (COMO SE OLHASSE A CÂMERA) - Nunca nego um pedido pra minhas crianças.
MENINO DE RUA: - Me dê cem reais.
REPÓRTER: - Pra quê?
MENINO DE RUA: - Pra levar pra minha mãe e meus quinze irmãos.
REPÓRTER: - Não é uma gracinha.
MANOEL: (TENTANDO DISFARÇA RAIVA DÁ O DINHEIRO) -  É… é uma gracinha.

ASSIM QUE RECEBE O DINHEIRO, MENINO SAI CORRENDO.

REPÓRTER: - Não é lindo?
MANOEL: - É… É Lindo.
REPÓRTER: - O senhor é candidato há alguma coisa?
MANOEL: - Não, por enquanto não penso nisso, o que faço é por puro amor.
REPÓRTER: - Obrigada, e se o senhor se candidatar não esqueça de me avisar, meu voto é seu.

REPORTER VAI EMBORA CONVERSANDO COM O CINEGRAFISTA INVISÍVEL. MANOEL RECOMEÇA COM AS LIÇÕES.

VOZ EM OFF: - Você nasceu pra isso! Vamos a Terceira  lição: NUNCA REVIDE UMA PROVOCAÇÃO: - Você não vale um tostão de fumo podre, filho das seiscentas milipestes,  você é a cruzamento de merda com esgoto, é um lixo hospitalar… Merece levar um tiro na perna, ser atropelado por uma Scania e quando a ambulância apanhá seus bagaços, merece que ela caia numa ribanceira e exploda!
MANOEL: - Não é por nada não, mas você não me xingou demais não?
VOZ EM OFF: - Quarta Lição: "Um político profissional jamais fica vermelho" - Quinta Lição: "Sorria sempre, até quando jogarem ovo podre.”.
MANOEL: - Tá doido? Eu jogo pedra em quem se meter a besta!
VOZ EM OFF: - Sesta lição: "O bom político tem que ser um pouco de tudo.”.
MANOEL: - Essa eu não entendi.
VOZ EM OFF: - Tem que ser Capoeirista, pra passar a perna em todo mundo. Dentista, pra deixar o povo de boca aberta. Ator pra saber convencer.
MANOEL: - Isso você já disse.
VOZ EM OFF: - Sétima lição: "Aqui não existem crianças, todos já nascem eleitores" - Oitava Lição: "Pra vencer uma lição tem que casar”.
MANOEL: - Como?
VOZ EM OFF: - Se vire.

SURGE UMA VIÚVA E UMA JOVEM CARREGANDO COM MUITO ESFORÇO UM GRANDE SACO. AS DUAS REZAM.

VOZ EM OFF: - Eis sua chance de aplicar suas teorias.
MANOEL: - Mas isso é um enterro.
VOZ EM OFF: - E daí? Nona lição: "Todo político tem de ir aonde o eleitor está"
MANOEL: - Até enterro?
VOZ EM OFF: - Vá logo rapaz!

NÃO AGUENTANO MAIS O PESO, A DUAS MULHERES DERRUBAM O SACO. MANOEL SE APROXIMA.

VIÚVA: (CHORANDO)- Tão novo!
FILHA: - Novo? Já estava devendo a cemitério.
MANOEL: - O que está acontecendo.
FILHA: - Estamos encomendando a alma do meu pai.
MANOEL: - Ué? Isso não é serviço para Padre.
VIÚVA: (CHORANDO ESCANDALOSAMENTE) - É que não tivemos dinheiro pagar.
MANOEL: - É. E com esse barulho que vocês estão fazendo com certeza Deus não vai escutar. Só por curiosidade, por que logo aqui?
FILHA: - Ele sempre quis que sua alma fosse encomendada onde ele nasceu.
MANOEL: - Aqui?
FILHA: - Vovó tinha acabado de fugir da penitenciária, e foi aí onde o senhor está pisando que ele teve meu pai.
VIÚVA: (CHORANDO) - Meu marido vai pros quintos porque não tive dinheiro pra pagar um padre… Que mundo cruel…
FILHA: - Ninguém pode nos ajudar.
MANOEL: (PARA A PLATÉIA) - Esse mundaréu de gente é tudo parente.
VIÚVA: - E amigos.
FILHA: - Ele era muito querido.
MANOEL: - Se vocês quiserem posso fazer a encomenda.
FILHA: - O senhor faria isso? Nós ficaríamos eternamente agradecidos.
MANOEL: - Posso começar?
AS DUAS: (EM PRANTOS) - Pode.
MANOEL: - Em nome do pai, do filho, do filho e do espírito santo!… Vai com quem quiser! (ENTUSIASMADO APOIA-SE NO SACO) Meu povo… Meu nome é Mané.
POVO: - Mané besta!
MANOEL: - Sou besta só no nome. Comi o pão que o diabo vomitou, já caminhei muito com os pés na estrada da vida, já levei muito café preto na cara quando pedia o de comer… Por isso, como uma missão divina, me sinto preparado pra ajudar você, meu povo.
VOZ: - Não votem nesse analfabeto!
MANOEL: - Eu sei lê.
VOZ: - Mas não tem cultura.
MANOEL: - Parei de estudar por causa das mentiras cabeludas dos livros... E eu posso provar que os livros estão errados. (PEGA UM BALDE D’ ÁGUA E UMA PLANTA) Um livro de ciência disse que as plantas repiram… Vejam! Se respirasse mesmo, saia bolha. Fiquei sabido sem precisar estudar! (SOM DE APLAUSOS) Resolvi me candidatar por que vocês, meu povo, estão do lado esquerdo do meu rim. Eu amo vocês!

APLAUSOS.

VOZ: - Pilantra! Mentiroso!
MANOEL: - Não sou mentiroso! Eu quero que esse defunto morra se estou mentindo.
VOZ: - Ladrão! Mentiroso!
MANOEL: (IRRITADO) - Quer saber!? Vote em mim se quisé. Não tenham dúvida, eu vou roubar. Vou roubar sim, mas vou fazer. Meu lema é sinceridade. Bote fé, Vote no Mané!
POVO: - Bote fé, Vote no Mané!

MANOEL POE O SACO NAS COSTAS E PROSSEGUE COM O CORTEJO. MÃE E FILHA ACOMPANHAM ATÉ SAÍREM DE CENA.

VOZ EM OFF: - Considerações finais: Sempre ande com um frasco de álcool e algodão no bolso.
MANOEL: (RETORNANDO AO PONTO) - Pra quê?
VOZ EM OFF: - Depois de cumprimentar um pobre, lave as mãos com álcool. Décima primeira lição: "Pra ganhar uma eleição alie-se ao candidato mais experiente, mesmo que tenha matado sua mãe. E Se quiser chegar a presidência tire uma foto com o papa. Décima Segunda Lição: "Descubra o que o eleitor quer ouvir e conquiste a simpatia das crianças."
MANOEL: - Isso é fácil: Já vi político carregando menino no braço. E pros pirralhos é só dar pirulito.
VOZ EM OFF: - E pra terminar nosso Curso Intensivo de Política, vai uma última pergunta: "Se você ganhar, fará o que fará com as verbas que ganhar?"
MANOEL: - Ué, escolas!
VOZ EM OFF: - Errado! O povo gosta é de estradas.
MANOEL: - E estrada dá voto?
VOZ EM OFF: - Muito. Basta tapar um buraco aqui, outro ai e o que sobrar você deposita na Suíça.

POVO: - Pula! Pula!

MANOEL OLHA PRA PLATÉIA, OLHA PRO ALTO COMO SE ESTIVESSE PROCURANDO ALGUMA COISA. AO FICAR DE COSTA VÊ QUE SE TRATA DE UM SUICIDA.

POVO: - Pula! Pula!


MANOEL: - O que é aquilo?
VOZ EM OFF: - É um político usando o último recurso para virar notícia.


BLACK-OUT


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Comentário:

Em comemoração ao Dia Mundia do Teatro (27 de Março), segue mais um texto inédito de Anderson Sant' Anna. "Bote Fé, Vote no Mané" ou "Aprenda a Ser Político em 3 horas" faz parte do espetáculo "Crônicas Teatrais", uma comédia para quatro atores que faz uma divertida crônica do cotidiano.


Um comentário:

"Conheça todas as teorias, domine as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana." - Gustav Jung