Trata-se de uma espécie de "Menu Cultural" do que o escritor vem produzindo no campo da poesia,conto, crônica,roteiro de cinema e TV,peça de teatro, e recentemente: novelas on-line. Além de compartilhamento de pensamentos e troca de experiências com todos aqueles que de alguma forma colaboram com a cultura sergipana.

sexta-feira, 20 de abril de 2012

A Ligação




Como sempre, o dia estava corrido, e eu precisava  urgentemente comprar um cartão telefônico, coisa que providenciei após depositar um dinheirinho e fazer uns pagamentos. Por sorte, bem em frente a casa lotérica havia um posto telefônico, contudo, por azar, obedecendo a regra universal de que "uma vez atrasado, tudo dará errado", entrei numa fila.
Não demorou muito para ser atendido.
A moça perguntou o que eu queria, eu disse, ela informou o preço, paguei. Foi aí que aconteceu algo inusitado. Assim que a funcionária entregou-me o cartão, quase que instantaneamente, uma senhora, envelhecida por insolação e tristezas da vida, abordou-me. Sem querer me assustar, pegou levemente meu braço, e olhando para o fundo dos meus olhos contou sua história.
- Moço, desculpe... Eu tenho uma filha, ela tá doente, eu preciso entrar em contato com ela, não posso viajar, não tenho dinheiro pra isso, ela mora em Alagoas, e eu preciso falar com ela, mas não tenho dinheiro para comprar um cartão... A moça me deu esse número, eu já tinha esse, e ela me deu esse. O senhor me emprestar seu cartão de telefone rapidinho? É para Alagoas, é só pra perguntar se minha filha está bem, se ela teve o neném, eu só vou perguntar isso.
Surpreso, e sem acreditar tentei falar:
- Mas...
A senhora começou a chorar e a apertar minha mão de forma suplicante.
- Moço, é rapidinho, eu só vou perguntar se minha filha está bem, é só isso.
- Mas moça, é interurbano, e se eu comprei o cartão, é por que também preciso fazer uma ligação.
- Se o senhor quiser, pode ligar, é só perguntar por Velma, prima da amiga da cunhada da filha de Geraldo e perguntar se minha filha está bem, se teve o neném e pronto!
Não sei se outra pessoa iria no meu lugar, mas eu fui. Ela me deu o número, com um pouco de pressa disquei, o dia estava curto. Não demorou para atenderem.
- Quem é?
Daqui que eu explicasse quem era pelo menos cinco unidades já iriam embora, por isso fui curto e grosso.
- Boa tarde, eu gostaria de uma informação... A senhora sabe me informar se Velma, prima da amiga da cunhada da filha de Geraldo está bem?
- Quem?
- Velma, que é prima da amiga da cunhada da filha de Geraldo.
- Ah! Sim... Está.
- Ela teve neném? - cochichou a senhora me cutucando.
- Ela teve o bebê?
- Não.
- Obrigado.
Desliguei. A mulher me olhava ansiosa. Contei tudo. Estava bem e não nasceu. Por alguns minutos ela me fitou atônita, depois indagou:
- Como não nasceu? Tem certeza que ela falou de Velma?
- Bem, eu perguntei duas vezes, se era Velma, que é prima da amiga da cunhada da filha de Geraldo.
- E disse que não nasceu?
- Foi o que ela disse.
- Mas como não nasceu?
- Pode ter sido um pequeno atraso.
- Minha filha quando nasceu teve um atraso de cinco dias, e ela me disse que teria a menina no mês passado, aonde já se viu um atraso de um mês?
Sem resposta ambos ficamos mudos, e ela chimava meu cartãozinho. Então lembrei que a vida não parou e ainda tinha muita coisa pra fazer.
- Bem, pelo menos ela está bem!
- É, mas isso não me deixou tranqüila não, só me deixou, mas aperriada.
Em silêncio deu mais uma olhadinha cobiçando o meu cartão. Sem graça improvisei minha saída.
- Desculpe, mas preciso ir.
- Muito obrigada. Desculpe.
- A senhora tenha um bom dia.
Nos cumprimentamos, ela deu mais uma cortejada em meu cartão e fui embora pensado na tal gravidez atrasada.




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"Conheça todas as teorias, domine as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana." - Gustav Jung