Como sempre, o
dia estava corrido, e eu precisava urgentemente comprar um cartão telefônico,
coisa que providenciei após depositar um dinheirinho e fazer uns pagamentos. Por
sorte, bem em frente a casa lotérica havia um posto telefônico, contudo, por
azar, obedecendo a regra universal de que "uma vez atrasado, tudo dará
errado", entrei numa fila.
Não demorou muito
para ser atendido.
A moça perguntou
o que eu queria, eu disse, ela informou o preço, paguei. Foi aí que aconteceu
algo inusitado. Assim que a funcionária entregou-me o cartão, quase que
instantaneamente, uma senhora, envelhecida por insolação e tristezas da vida,
abordou-me. Sem querer me assustar, pegou levemente meu braço, e olhando para o
fundo dos meus olhos contou sua história.
- Moço, desculpe...
Eu tenho uma filha, ela tá doente, eu preciso entrar em contato com ela, não
posso viajar, não tenho dinheiro pra isso, ela mora em Alagoas, e eu preciso
falar com ela, mas não tenho dinheiro para comprar um cartão... A moça me deu
esse número, eu já tinha esse, e ela me deu esse. O senhor me emprestar seu
cartão de telefone rapidinho? É para Alagoas, é só pra perguntar se minha filha
está bem, se ela teve o neném, eu só vou perguntar isso.
Surpreso, e sem
acreditar tentei falar:
- Mas...
A senhora começou
a chorar e a apertar minha mão de forma suplicante.
- Moço, é
rapidinho, eu só vou perguntar se minha filha está bem, é só isso.
- Mas moça, é
interurbano, e se eu comprei o cartão, é por que também preciso fazer uma
ligação.
- Se o senhor
quiser, pode ligar, é só perguntar por Velma, prima da amiga da cunhada da filha
de Geraldo e perguntar se minha filha está bem, se teve o neném e pronto!
Não sei se outra
pessoa iria no meu lugar, mas eu fui. Ela me deu o número, com um pouco de
pressa disquei, o dia estava curto. Não demorou para atenderem.
- Quem é?
Daqui que eu
explicasse quem era pelo menos cinco unidades já iriam embora, por isso fui
curto e grosso.
- Boa tarde, eu
gostaria de uma informação... A senhora sabe me informar se Velma, prima da
amiga da cunhada da filha de Geraldo está bem?
- Quem?
- Velma, que é
prima da amiga da cunhada da filha de Geraldo.
- Ah! Sim... Está.
- Ela teve neném?
- cochichou a senhora me cutucando.
- Ela teve o
bebê?
- Não.
- Obrigado.
Desliguei. A
mulher me olhava ansiosa. Contei tudo. Estava bem e não nasceu. Por alguns
minutos ela me fitou atônita, depois indagou:
- Como não
nasceu? Tem certeza que ela falou de Velma?
- Bem, eu
perguntei duas vezes, se era Velma, que é prima da amiga da cunhada da filha de
Geraldo.
- E disse que não
nasceu?
- Foi o que ela
disse.
- Mas como não
nasceu?
- Pode ter sido
um pequeno atraso.
- Minha filha quando
nasceu teve um atraso de cinco dias, e ela me disse que teria a menina no mês
passado, aonde já se viu um atraso de um mês?
Sem resposta
ambos ficamos mudos, e ela chimava meu cartãozinho. Então lembrei que a vida
não parou e ainda tinha muita coisa pra fazer.
- Bem, pelo menos
ela está bem!
- É, mas isso não
me deixou tranqüila não, só me deixou, mas aperriada.
Em silêncio deu
mais uma olhadinha cobiçando o meu cartão. Sem graça improvisei minha saída.
- Desculpe, mas
preciso ir.
- Muito obrigada.
Desculpe.
- A senhora tenha
um bom dia.
Nos
cumprimentamos, ela deu mais uma cortejada em meu cartão e fui embora pensado na
tal gravidez atrasada.
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"Conheça todas as teorias, domine as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana." - Gustav Jung