Trata-se de uma espécie de "Menu Cultural" do que o escritor vem produzindo no campo da poesia,conto, crônica,roteiro de cinema e TV,peça de teatro, e recentemente: novelas on-line. Além de compartilhamento de pensamentos e troca de experiências com todos aqueles que de alguma forma colaboram com a cultura sergipana.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Boletim Da Madrugada



Embora estivesse há pouco tempo no ramo, Érson Bhorassis já era famoso, seu programa era, indiscutivelmente, o mais visto no horário, até quem negava assistia. A idéia era simples: todo santo dia ele visitava o IML para avaliar o saldo do dia, e a partir da zero hora, transmitia ao vivo as diversas ocorrências da madrugada, por isso o nome do programa era “Boletim da Madrugada”.

Uma idéia simples, assim como nasceu: Ele vinha de uma farra com os amigos, daquela que vara a noite, e entre uma cerveja e outra, percorrendo o maior número de bares que puderam visitar, seus olhos ainda conseguiram registrar um número considerável de  desgraças que aconteceram naquela noite. Somente naquele intervalo em que estivera curtindo a vida adoidado com os amigos pôde observar que roubaram um motel e mataram o recepcionista, ocorreu um incêndio, e uma mulher esfaqueou o marido depois de pegá-lo em flagrante com a amante. Tudo isso nos mais afastados pontos da cidade, Aracaju City não parava.

A produção do “BOLETIM DA MADRUGADA” era fixa, foi sua principal exigência quando firmou o contrato. Ele sabia que iria lidar com bandidos e não seria bom mudar suas companhias, sem mais nem menos, pois tinha receio de colecionar desafetos. Entretanto, o efeito foi totalmente o inverso do que ele esperava, o sucesso foi tão grande que conquistou a simpatia de policiais, bandidos, juízes, donas de casa. Ninguém declarava abertamente, mas o Ibope confirmava preferência.

Segunda Feira, vinte e três horas e quarenta minutos. Diante do espelho Érson refletiu: “Quem eu era há um mês... Será que ainda sou o mesmo?” - Ajeitou a gravata, e com um rabo de olho leu o título da primeira página do jornal. BOLETIM DA MADRUGADA; Sucesso TupIniquim será exportado! – O que esperava naquela noite? Ele não sabia, todo dia era assim, não planejava nada. A podridão da sociedade é que o guiava. – Pôs o cinto, se perfumou, e antes de sair leu como sempre fazia, um bilhete colado no espelho da sua cômoda. “Você é um fracassado, me esqueça!” Foram as últimas palavras da sua ex-namorada antes de despachá-lo.

Dez pra meia noite, já era hora de sair. E o fez.

A equipe já o esperava na porta: Luizão, o motorista; Philipe, o cabo man e Mongo, o cinegrafista.


- Ta pronto pra outra seu Érson? – Indagou Philipe, dando um tapinha nas costas. 

- O que será que nos espera em Érson?  - Sorriu Luizão.

O repórter permaneceu calado durante todo o trajeto até o IML, ele nunca falava nada até a hora do programa, era, talvez, uma forma de concentração. Ninguém sabia o porquê, talvez nem ele, só não tinha vontade de falar e não falava. Apesar de trabalharem há pelo menos um mês juntos os companheiros insistiam em puxar conversa para quebrar o gelo, mas o máximo que conseguiam eram gestos mecânicos.

- Chegamos. Estão todos prontos?
- Sim senhor.
- Então vamos.

Assim que abriu a porta do furgão todos do programa levaram um susto. A frente do Instituto Médico Legal estava abarrotada de gente. Todos queriam cumprimentar o famoso Érson Bohrassis.

- Com licença. – Com muita dificuldade conseguiu entrar no prédio. A fama eliminou a burocracia, o diretor já o esperava. – O que o senhor tem pra mim hoje?
-  Nada demais. Só um afogamento. Mas tem um caso quente na Homicídios, prenderam um cara a poucos minutos com treze quilos de maconha num canavial.
- Que horas são Philipe?
- Meia noite e cinco.
- Ótimo. É esse! Vamos liguem a câmera, é o nosso primeiro caso de hoje. – Dizendo isso, todos ficaram frenéticos, técnica, policiais, multidão. Era assim que o programa começava:

-  Boa noite telespectadores e telespectadoras! Aqui é o repórter Érson Bhorassis a caminho do nosso primeiro caso: Um homem foi pego em flagrante com treze quilos da “erva mardita” num canavial. Como sempre, vocês de casa acompanharão tudo na íntegra, sem cortes.

Na delegacia a equipe também era aguardada. Havia público, mas os policiais providenciaram um cordão humano para que a entrada do famoso repórter não fosse conturbada.

- Seja bem vindo Érson.
- O que você tem pra mim delegado?
- Tem aquele indivíduo ali que foi pego com treze quilos da planta e como não poderia deixar de ser, se diz inocente.
- Posso falar com ele?
- Pode, mas antes gostaria de falar com você em particular... – delegado vai para sua sala, tranca-se e chama Érson com um leve balançar da cabeça.
-  O senhor não me interprete mal, seu Érson...
-  Não se preocupe delegado.
-  É que.. Sei que não deveria, mas insistiram e não pude negar.
-  Se eu puder fazer algo farei delegado, não tem problema.
-  Dê-me um autógrafo, é pra minha filha, ela gosta muito do senhor e não dorme sem assisti-lo. Não vou mentir pro senhor, não gostaria que ela assistisse, mas ela gosta como eu. – Érson pegou o papel na mão do delegado, assinou e devolveu. – Desculpe seu Érson, sei que o senhor é muito ocupado, não vou mais empatar seu trabalho. – Abriu a porta e acompanhou o repórter até o preso.
- Ah seu Érson, que bom que o senhor veio. Eu sou inocente seu Érson.
- Certo. Mas lhe pegaram com treze quilos... Como você explica isso?
- Foi uma cocó dotô, eu não fiz nada não... Armaram pra mim.
- Mongo mostre a cara desse homem. – O Cinegrafista deu um close na primeira lágrima que saiu do olho suplicante do marginal. – O que é que você estava fazendo no meio do mato onze horas da noite com aquele bagulho?
- Foi coincidência dotô, eu tinha saído pra dar uma caminhada, sem destino, quando de repente me deu uma dor de barriga braba. Eu não tinha pra onde ir, o cantinho mais sossegado que tinha era o canavial, então fui pra lá dar uma cagada, e quando estava quase terminando os homem apareceram e por coincidência esse pacote estava perto de mim. – os demais presos, os policiais, a equipe técnica do programa, enfim, todos, deram uma gostosa gargalhada. – Eu sou inocente!
- Por que você não conta pra seu Érson que já tem ficha?
- Mas isso não conta doutor.
- Por quê? Que você fez? – Indagou o repórter.
- Eles já me fixaram uma vez porque queimei as roupas da minha sogra.
- Por quê?
- Ela tava enchendo meu saco, eu disse que se ela não parasse iria queimar as roupas dela, ela não acreditou, eu disse: Ói... Eu vou queimar. - Ela disse: “Queime, quero ver.” - Então queimei. Doutor posso ir ao banheiro? – O Delegado e os policiais ficaram sérios, alguns policiais bateram na mão como advertência. – É só pra cagar minha gente. Tenham dó!
- Deixe delegado, não custa.
- E se ele fugir?
- O Senhor algema e o coloca nu no banheiro, o lugar está cercado e nu ele não iria muito longe.
- Boa idéia Seu Érson.
- Miro, leve-o ao banheiro, e nu. – Policial cumpriu a ordem.
- Senhores telespectadores, todos vocês ouviram a história. Que vocês acham? O homem é inocente? Que acredita pode ligar para 0800190190 e quem não acredita ligue 0800191191.

O Policial que levou o marginal voltou nervoso e com a testa sangrando.

- Delegado, o preso fugiu!
- Como foi isso?
- Ele pediu papel higiênico e quando fui entregar ele me acertou com uma portada, pulou a janela e fugiu.
-  Então vamos atrás dele.

Os policiais ficaram afoitos e as viaturas saíram cantando pneu.

-  Posso ir junto delegado? – Perguntou o âncora do “Boletim da Madrugada”
-  Pode, mas tem uma condição.

O delegado chamou o repórter para retornar ao interior da sua sala que era isolada acusticamente, certificou-se de que o mesmo não possuía nenhum gravador, nem celular gravando e cochichou ao pé do ouvido: “Você sabe como é... Nunca se sabe... Às vezes alguém lá de cima liga... E aí pode haver “troca de tiros...”

- Sei como é...
- Então... Se isso acontecer nada poderá ser registrado.
- Não se preocupe... O Senhor pode contar com a minha discrição.
- Ótimo... – Abriu a porta e enquanto saiu olhou para o cinegrafista do programa que já estava a postos e falou de forma teatral:
- Está autorizado. – olhou para os policiais e anunciou: Seu Érson vai conosco... Afinal, a rua é de todos.

O Cinegrafista focalizou o sorriso do delegado ao cumprimentar Érson e correu na direção da garagem da delegacia no qual as viaturas saíram cantando pneu. Em meio a toda aquela adrenalina Érson Bohrassis pediu um close e conversou com seu público fiel:

-  Vamos lá telespectadores, como vocês viram e ouviram, temos autorização para acompanhar essa perseguição e logo após nossos comerciais vocês verão tudo na íntegra, porque esse é o seu, o meu, o nosso BO-LE-TIM DA MADRUGADA!


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Comentário:

Antes mesmo do surgimento do Youtube nós pobres mortais já éramos bombardeados diariamente com com uma série de notíciais policiais: alguém, roubou, matou, enganou, traiu ou se suicidou... Como diz a máxima jornalística de saudoso cronista Rubem Braga: "Se um cachorro morde o homem não é interessante, é banal, mas se o homem morde o cachorro, então é inusitado, e portanto será notícia."... Foi à partir dessa reflexão que há alguns anos atrás escrevi essa crônica.

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