Trata-se de uma espécie de "Menu Cultural" do que o escritor vem produzindo no campo da poesia,conto, crônica,roteiro de cinema e TV,peça de teatro, e recentemente: novelas on-line. Além de compartilhamento de pensamentos e troca de experiências com todos aqueles que de alguma forma colaboram com a cultura sergipana.

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Onomatopeia




Dava gosto de ver: naquele dia a classe estava cheia! Também pudera, era o dia da entrega das notas. A professora chamou um por um, entregou tudo, tudinho... E então pôde iniciar um novo assunto sem maiores problemas. Tudo ia bem até ela falar uma estranha palavra: Onomatopéia.
As crianças ficaram impressionadas com a pronúncia e o significado daquela palavra esquisita, e numa euforia crescente todas queriam confirmar com a professora um exemplo imitando um som. Tudo muito divertido, mas a aula tinha que continuar, por isso Dona Júlia concedeu uma última pergunta a Lucas.
- Fessôra, é o seguinte: Ontem de noite acordei com muito sono e fui pra cozinha beber água. – As companheiras de classe atentas, sorriram e imitaram o som de uma bela golada.
-              Silêncio turma! Deixem Lucas falar. Continue.
-              Então Fessôra, até aí tudo bem, mas quando estava voltando, passei pela porta e escutei minha mãe dizendo: Nossa que pincel enorme!
-              E qual é o problema?
-              O problema Fessôra, é que meu pai não é pintor.
                    A professora não contava com aquilo, e desconcertada indagou:
-              Por quê você não pergunta pro seu pai ou pra sua mãe?
-              E eu sou besta Fessôra?
-              Por quê?
-              Se ele estava pintando tão tarde é porque não queria que ninguém soubesse... Já pensou se ele sabe que eu sei? Deus me livre!
-              Não pense bobagens menino. Seu pai só estava pintando e pronto.
-              Eu não tô pensando em nada não Fessôra, só tô perguntando.
A aula prosseguiu quase que normalmente. Vez por outra os coleguinhas cochichavam discutindo N possibilidades do uso da tal onomatopéia.
Maria, por exemplo, disse que com toda certeza os pais do coleguinha criam um cachorro chamado pincel e que só o alimentam à noite, só que de tanto o alimentar o bicho cresceu. – A discussão só não foi maior porque a sirene tocou. A professora respirou aliviada.
-              Lucas quero que você fique um pouquinho para conversarmos.
-              Eu tô de castigo é Fessôra?
-              Não Lucas, deixe todos irem que te explico.
A professora só falou depois que Naná, a mais curiosa da turma, foi embora.
-              Lucas dá próxima vez em que você ouvir alguma coisa e quiser me fazer alguma pergunta não a faça na frente dos seus coleguinhas ok? Não lhe estou proibindo de perguntar, só quero que pergunte apenas para mim. Tudo bem?
-              Sim Senhora querida professora!
-              Ótimo. Pode ir.
Mais uma noite veio, e novamente a sede chegou numa hora imprópria, fazendo com que Lucas depois de ter matado sua vontade, ouvisse-se uma nova frase estranha, misteriosa, que com certeza iria indagar a professora na próxima aula.
-              Fessôra, ontem ouvi outra frase esquisita.
Antes que Lucas começasse a falar, a professora percebeu que alguns curiosos se espremiam atrás da porta para tentar ouvir a nova frase, aquilo a irritou, e extremamente nervosa bronqueou:
-              Vão embora, vão! Isso é um assunto particular!
Assustados com o grito da mestra, os alunos correram. Lucas permaneceu encostado no Birô. Vendo que a professora trancou as portas, fechou as janelas e sentou-se em sua cadeira.
-              Posso falar?
-              Pode Lucas. Qual foi a frase?
-          Nossa! Como ta ficando grande!
Constrangida por estar se intrometendo num assunto tão particular, a professora pôs a mão no cabelo e abaixou a cabeça. O gesto, por mais que parecesse não era de todo natural. Na verdade tinha feito aquilo para tentar bolar alguma mentira. E funcionou:
-              Luquinhas, não pense bobagens.
-              Mas eu não pensei Fessôra! Só fiquei curioso!
-              Que foi que lhe falei ontem?
-              Que meu pai só estava pintando e pronto.
-               Pois é! Certamente ele começou a pintar antes de ontem, e hoje a pintura está maior, quase pronta.
Para alívio da professora, Lucas acreditou. Entretanto, não era motivo para esquecer o assunto, por isso disse ao porteiro que no dia seguinte, avisasse ao pai de Lucas que a procurasse antes de ir embora.
Naquela madrugada, na mesma hora imprópria, Lucas saiu do quarto, mas a única sede que tinha era de frase nova e esquisita para perguntar a professora no dia seguinte. Caminhando como um pelicano à beira do rio, aproximou-se da porta, mas nem precisava se aproximar tanto, os gemidos eram muito altos e a frase, desta vez, estava perfeitamente nítida:
- Ai! Ui! Assim, assim, devagar... Assim... Isso! Tá quase! Ai!
Lucas até pensou em ir embora e voltar a dormir, mas não dava, ele não ia conseguir guardar sua curiosidade até o dia seguinte, ele tinha que resolver aquele mistério. E foi o que fez. Lentamente pôs a mão na maçaneta, e começou a abrir a porta até deixá-la entreaberta, até que enfim, avistou a solução do enigma:
O pai de Lucas estava sentado num banco de madeira em frente a uma prancheta com uma foto da esposa grudada na tela, pintando numa posição muito incômoda. A figura dela que já estava quase concluída. E a moldura era grande, e o pincel também. Atrás, enquanto segurava e lia um manual de pintura entitulado: “SEJA UM DA VINCI EM QUARENTA E OITO HORAS”, a mãe de Lucas sofria com uns pernilongos que davam picadas severas e gemia desesperada com o ataque inoportuno dos insetos:
- Ai! Ui! – gritava a mãe de Lucas
- Assim amor, não se mexa... Tô quase acabando.
- Ai! Ui! Tá doendo meu amor – gemeu dando uns tapas no pescoço para matar as motiçocas.
- Só mais um pouco amor... – mostrou a obra semi pronta – veja como ta grande.
- É ta... Ai! Mas termine logo.
 Da forma mais discreta possível Lucas, pé ante pé, retornou para o quarto soltando um leve sorriso pensou:
“Bem que a professora disse, meu pai só estava pintando...”
Naquele noite Luquinhas dormiu com os anjos puros e imaculados, pois estava feliz da vida por ter uma professora que sabia das coisas, que sabia ensinar sobre a tal da onomatopéia.



Um comentário:

"Conheça todas as teorias, domine as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana." - Gustav Jung